Economia
Aposta majoritária

Campos Neto diz que ficou ‘surpreso’ com reação do mercado ao voto dele no Copom

Campos Neto desempatou os votos a favor de um corte mais forte, de 0,50 ponto porcentual, contra 0,25 ponto porcentual

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25 de agosto de 2023
Vinicius Palermo
Campos Neto diz que ficou ‘surpreso’ com reação do mercado ao voto dele no Copom
O presidente do BC, Campos Neto

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que se surpreendeu com a reação do mercado financeiro a seu voto no Comitê de Política Monetária (Copom) de agosto, que definiu o primeiro corte da taxa Selic, de 13,75% para 13,25%.

Campos Neto desempatou os votos a favor de um corte mais forte, de 0,50 ponto porcentual, contra 0,25 ponto porcentual, que era a aposta majoritária do mercado. A declaração foi dada em entrevista em vídeo gravado para o Amarelas on air, da revista Veja.

O presidente do BC voltou a dizer que a divisão no Copom vinha da reunião anterior, em junho, quando parte do colegiado já via condições para sinalizar uma queda de juros no encontro de agosto, enquanto o outro grupo estava mais cauteloso, querendo ver maior evolução do processo desinflacionário e de redução das expectativas.

Na entrevista, Campos Neto afirmou que havia dúvidas em junho sobre o desempenho dos núcleos de inflação e sobre a definição da meta inflacionária pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que, depois da reunião, resolveu mantê-la em 3,0% nos próximos anos. Segundo o presidente do BC, o Ministério da Fazenda não tinha dito qual seria seu voto, mas ele acreditava que seria de 3,0%.

“No Copom de junho, eu estava entre os que defendiam que a porta (para corte) fosse aberta”, repetiu Campos Neto, lembrando que essa divisão no comitê foi o que causou ruído entre o comunicado e ata do Copom naquela oportunidade.

“No Copom de agosto, a divisão permaneceu mais ou menos igual, tanto que, quem queria manter a porta fechada votou por corte de 0,25pp e quem achava que deveria deixar a porta aberta entendeu que diante do que tinha acontecido (inflação e meta), haveria espaço para corte de 0,50pp”, completou.

O presidente do Banco Central afirmou ainda que as críticas do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, à condução da política monetária não o machucaram e que estava “mais ou menos preparado” para essa situação. “O presidente ganhou de forma democrática e tem direito de fazer suas críticas”, afirmou Campos Neto.

Segundo ele, esse quadro faz parte do processo de autonomia da instituição, que está sendo testado. “É a primeira vez que (o presidente de um BC) cruza um governo. Precisamos mostrar que trabalhamos com autonomia”, disse, repetindo que é apenas um voto de nove e que o colegiado toma decisões de forma “muito técnica”. “O tempo vai mostrar seriedade, autonomia e tecnicidade do trabalho do BC”, garantiu.

Campos Neto citou também que não é apenas no Brasil que ocorrem situações como esta, e mencionou críticas do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump a representantes do Federal Reserve (Fed, o BC norte-americano).

Uma das críticas que vieram de Lula e também de alguns agentes de mercado era a de que a inflação doméstica subia por causa da oferta e que, portanto, não seria algo a ser combatido com elevação ou manutenção da taxa de juro em patamar mais alto.

Campos Neto, porém, refutou o argumento, dizendo que houve apenas pontos passageiros que indicavam componentes de inflação de oferta. Segundo ele, medidas de núcleos, de serviços e a própria dinâmica dos preços revelam que fica bastante aparente que a alta foi mais baseada em demanda do que em oferta.

“Mesmo que fosse mais de oferta, o BC tem obrigação de combater o que chamamos de choque de segunda ordem”, afirmou, dizendo que BCs da África do Sul e da Inglaterra fizeram discursos recentes que também vão nesse sentido.

Por isso, conforme o presidente do BC, é possível avaliar que a instituição conseguiu fazer um trabalho de pouso suave, com a redução da inflação com o mínimo de dor em termos de crescimento, emprego e crédito para as empresas. “Quando pegamos a definição de pouso suave, acho que podemos dizer que trabalho foi bem feito. Na verdade, o trabalho ainda não terminou, mas podemos dizer que ainda está sendo feito.” E acrescentou: “ainda temos uma luta remanescente sobre a inflação”.

Campos Neto voltou a dizer que o quadro do BC é muito técnico e que o governo Lula está aprendendo a lidar com um presidente da instituição que não foi de sua escolha. Há o aprendizado, segundo ele, dos dois lados.

De qualquer forma, Campos Neto comentou que não acredita em um desvio da atuação da autoridade monetária com a chegada de novos membros ao BC e que, se houver um pensamento muito diferente, o sistema de metas de inflação vai mostrar o caminho de quadro mais técnico. “Mas sempre haverá debate.”