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Brics vai decidir sobre expansão do bloco, alternativa ao dólar e guerra na Ucrânia

Os líderes políticos do Brics vão discutir critérios e princípios para dar sinal verde à entrada de um grupo de países no bloco.

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21 de agosto de 2023
Vinicius Palermo
Brics vai decidir sobre expansão do bloco, alternativa ao dólar e guerra na Ucrânia
Ao todo 23 nações pediram adesão, e 40 manifestaram algum tipo de interesse, segundo diplomatas brasileiros e sul-africanos.

A 15ª Cúpula do Brics, a primeira em formato presencial após a pandemia da covid-19, deve ser marcada nesta semana por uma decisão histórica que pode reconfigurar o grupo, com o ingresso de novos integrantes. Os líderes políticos do Brics vão discutir critérios e princípios para dar sinal verde à entrada de um grupo de países no bloco. O debate sobre normas e procedimentos é uma insistência do Brasil, que ainda demonstra desconforto e hesita em apoiar a ampliação.

Ao todo 23 nações pediram adesão, e 40 manifestaram algum tipo de interesse, segundo diplomatas brasileiros e sul-africanos. Entre eles, estão Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes Unidos e Indonésia, entre outros. Esses são os cinco candidatos mais fortes, com membros do G20 e do Novo Banco de Desenvolvimento, criado pelos BRICS em 2014.

Se autorizada, a ampliação deve ficar próxima deste número, segundo negociadores que finalizaram na segunda-feira, dia 21, a proposta com documentos técnicos antes do retiro entre os chefes de Estado e de governo.

Os líderes são os responsáveis por tomar as decisões em última instância, com base nos critérios de expansão sugeridos por consenso durante as reuniões prévias. Eles vão conversar em privado, na noite de terça-feira, dia 22, acompanhados apenas dos respectivos chanceleres e de um diplomata-chefe que representa o País nas reuniões preparatórias, o “sherpa”.

Os “sherpas” atravessaram a noite nos últimos dias e vão se reunir novamente ao longo desta segunda-feira para finalizar as propostas a respeito da expansão do Brics e o rascunho da declaração final de Johannesburgo em si, um comunicado oficial conjunto emitido ao fim de cada encontro do Brics.

O tema preocupa o Brasil. Integrantes do governo entendem que a expansão como proposta, com países patrocinando uma lista de “candidatos”, pode desfigurar a atual composição do grupo e fazer surgir um novo Brics. Por isso, a cúpula vem sendo chamada nos bastidores de a mais importante dos últimos anos. A entrada de muitos membros novos, no entendimento de diplomatas, diluiria a influência do Brasil e a projeção por participar do Brics.

A expansão do Brics é discutida desde 2011, quando a África do Sul foi admitida no bloco. Desde então, passou a ser praxe que os governos anfitriões das cúpulas convidassem países de seu entorno para acompanhar as reuniões, numa forma de interação com futuros parceiros e de projeção geopolítica do bloco.

O processo de expansão é puxado pela China, principal economia do grupo, e interessa a Pequim para projetar prestígio diplomático e promover aproximação política e econômica, seja na Ásia ou em outros continentes. Além disso, alguns dos interessados são próximos rivais dos Estados Unidos, como Irã, Cuba e Venezuela, o que aumentaria o perfil antagônico a Washington no Brics.

A África do Sul segue o governo chinês na questão. A Rússia também passou a ver interesse após sofrer forte isolamento com a invasão da Ucrânia, o que seria uma forma de trazer aliados para Moscou. A Índia, que resistia como o Brasil, passou a se mostrar favorável nos últimos meses, sobretudo no que diz respeito ao ingresso dos Emirados Árabes Unidos, mas já sinalizou não ser favorável a uma expansão desenfreada.

O Brasil era o mais resistente, mas diante das pressões e maioria dos países apoiando o processo, Lula cedeu e afirmou recentemente que apoiará a expansão. Ele reconheceu a importância da entrada de sauditas, emiráticos, argentinos e até venezuelanos. Lula disse que o bloco poderá ganhar ainda mais densidade econômica com o crescimento dos membros. No entanto, o Brasil exige que sejam adotados certos critérios, que preservem a “integridade” e a coesão do bloco.

Diplomatas avaliam que a expansão favoreceria mais a China, e argumentam que haveria ainda mais dificuldade em tomar decisões por consenso, como é tradição no grupo. Além disso, alteraria o perfil da composição do Brics, com ingresso de países mais heterogêneos politicamente.

Um dos conceitos em discussão é, em vez da incorporação de novos membros efetivos, a criação de categorias de países agregados, que poderiam ser países “associados” ou “parceiros”. É uma sugestão apoiada pelo Brasil. “Isso tudo está em negociação, e é o que será um dos resultados da cúpula”, disse o embaixador Eduardo Saboia.

O Brasil já sinalizou nas reuniões prévias alguns princípios norteadores que devem ser levados em consideração. Além de manifestar a preocupação com a coesão do bloco, o Brasil já deixou clara a necessidade de que os países interessados apoiem a reforma do sistema da ONU.

Uma credencial apreciada no Itamaraty é que os países candidatos defendam mudanças na composição do Conselho de Segurança, com inclusão de representantes do chamado Sul Global. Brasil, Índia e África do Sul são candidatos e fazem campanha por uma vaga permanente.

O País vê positivamente a expansão do bloco com membros que fazem parte do Novo Banco de Desenvolvimento e também do G20, para favorecer uma articulação maior durante a presidência exercida pelo Brasil em 2024.

A nação mais recente a formalizar o pedido de ingresso foi a Guiné Equatorial, mas as chances de ampliação com países africanos são remotas, o que pode criar um constrangimento ao anfitrião. Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, confirmou na noite deste domingo, dia 20, a presença de 30 chefes de Estado e de governo africanos na cúpula, atendendo a seu convite, mas poucos devem ser absorvidos. Ramaphosa acenou com a ideia de uma representação da União Africana de Nações no Brics.

Se as regras de ampliação forem acordadas, a ideia é que os candidatos e atuais membros apoiem algumas das candidaturas. Diplomatas dizem que o Brasil, por se opor à expansão no momento, não trabalha pelo ingresso de nenhum país especificamente, mas apresentará sua lista.

Em entrevista ao jornal sul-africano The Sunday Times, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reiterou que não faz lobby por nenhum país. “Não é papel do Brasil fazer lobby para que outros países se juntem ao Brics”, disse o presidente, reiterando que a decisão deve se dar por consenso entre os atuais cinco membros.

Outro assunto central do retiro será a “desdolarização” das transações internacionais. Os líderes vão conversar sobre a criação de uma moeda comum, alternativa ao dólar, para uso no comércio exterior e também o aumento do uso de moedas locais de cada país.

A ideia da moeda vem sendo abertamente impulsionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e agrada a russos e chineses. Apesar disso, mesmo os entusiastas da “desdolarização” veem com ceticismo com a possibilidade de implantação, no curto prazo, de uma unidade monetária de referência para transações comerciais internacionais.

Em paralelo, os países estimulam bilateralmente e por meio do banco do Brics, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), formas de fomentar as transações em suas próprias moedas nacionais. A expectativa do governo brasileiro é que os líderes políticos cheguem a uma decisão sobre a “moeda do Brics”.

“Esse tema está previsto na parte do retiro (dos líderes) e é provável que haja um resultado nessa área”, disse o embaixador Eduardo Saboia, secretário de Ásia e Pacífico e principal negociador do País no bloco.

Os chefes de Estado e de governo também vão conversar sobre a guerra na Ucrânia, mas as nuances de posições e o fato de a Rússia ter deflagrado a invasão militar impedem que o assunto seja mais explorado na declaração final de Johannesburgo. Exceto o Brasil, que condenou a invasão russa em votações nas Nações Unidas, os demais membros do bloco se abstiveram. Mesmo assim, os países do Brics já propuseram alguma forma de negociação de paz.

O presidente Lula já disse que deseja usar a oportunidade para dizer a Putin que é hora de encerrar o confronto. Há expectativa de uma conversa mais franca com Putin no encontro fechado. O teor dos diálogos entre os presidentes não vai se refletir no documento conjunto publicado ao fim da cúpula. Em textos como esse, cada palavra é cuidadosamente negociada entre as cinco delegações.