Entidades que representam blocos de rua de São Paulo enviaram um dossiê à Defensoria Pública do Estado em que denunciam a conduta de agentes da Polícia Militar (PM) e da Guarda Civil Metropolitana (GCM) durante os cortejos do carnaval deste ano. Conforme o documento a dispersão dos desfiles foi feita à base de “cacetadas” em alguns casos, machucando foliões.
Os episódios foram compilados por entidades como O Arrastão dos Blocos, Ocupa Carnaval, Fórum dos Blocos, União dos Blocos de Carnaval de Rua do Estado de São Paulo (Ubcresp), Coletivo Feminista e Blocos Eletrônicos. A Prefeitura de São Paulo disse que a GCM apura a conduta dos agentes. Já a Polícia Militar afirmou não terem sido reportados casos de agressão policial durante o carnaval.
Conforme o dossiê, no Bloco do Fuá, agentes de PM e GCM começaram a dispersão da via a “cacetadas” nos foliões – um homem teria levado oito pontos na cabeça após sofrer agressões. O cortejo, que marcou os dez anos de existência do bloco, ocorreu no domingo de carnaval, 19, na região do Bexiga, zona central da cidade.
“Foi o caminhão sair e em cinco minutos eles queriam que a via estivesse completamente vazia”, diz Marco Ribeiro, organizador do bloco. Segundo ele, o cortejo começou às 17h, uma hora após o previsto, por causa das fortes chuvas. Por conta disso, não conseguiu completar o trajeto todo, que estava planejado para terminar na Avenida Treze de Maio, e acabou encerrando na Rua Rui Barbosa, por orientação da PM.
A música parou por volta das 19h, conforme previsto. Logo em seguida, Ribeiro diz que agentes da GCM fizeram uma barreira em dos lados da via e policiais militares, em outro. “A gente não deu resistência nenhuma, mas não tinha como liberar a rua em tão pouco tempo. As pessoas ficam aglomeradas por um tempo depois do bloco, e eles já vieram batendo para machucar”, diz. Ele afirma não ter havido confronto nesse momento.
Ribeiro diz ainda que o bloco tinha um termo de compromisso com a Prefeitura, indicando que a dispersão do desfile poderia ocorrer até 20h. “Foi uma ação orquestrada, gratuita, tudo isso para limpar a via o mais rápido possível. Insensibilidade é grande por causa disso tudo”, afirma. Segundo ele, oito homens e duas mulheres saíram feridos após a dispersão. Em quatro dos casos, segundo ele, as pessoas foram machucadas na cabeça.
No dossiê, representantes dos blocos afirmam também que, na Charanga do França, agentes da Guarda Civil Metropolitana agrediram foliões durante a dispersão. “Nunca aconteceu nada parecido com isso em oito anos de existência da Charanga”, diz Thiago França, fundador do bloco, que desfila pela região de Santa Cecília, na região central. O cortejo ocorreu na segunda-feira de carnaval, 20.
Segundo França, o desfile aconteceu conforme o previsto: das 9h às 14h. “Mas alguns foliões ficaram nos bares da região almoçando, isso sempre acontece”, disse. Por volta de 15h30, agentes da GCM começaram a andar em fila pela Rua Canuto do Val, que não fez parte do trajeto do bloco, sob a justificativa de que estavam fazendo uma escolta dos caminhões de limpeza. “Nunca aconteceu isso logo após do bloco. Era mais comum acontecer no fim do dia, já que é uma região movimentada.”
Nesse momento, um homem que estava na rua foi agredido por um dos agentes, segundo vídeo que circula nas redes sociais. Além disso, pelo menos quatro pessoas teriam ficado atordoadas por conta do spray de pimenta lançado pela GCM em alguns pontos. “Um integrante do bloco chegou a ficar desacordado por 20 minutos por conta disso”, diz Thiago. Ele afirma não ter havido confronto em nenhum momento, mas inquietude por parte dos foliões, que não entendiam o porquê daquilo estar acontecendo.
“Na hora que acaba o bloco as pessoas não têm que sair da rua e ir para a casa, a gente está ali vivendo o carnaval. As pessoas têm o direito de estar na rua, não tinha nenhuma atividade ilícita, não tinha nada errado ali”, afirma. “Geralmente vem uma viatura e, no diálogo, a gente consegue organizar. Mas não houve diálogo.”
O dossiê diz também que, no Jegue Elétrico, realizado no domingo de carnaval, 19, em Pinheiros, zona oeste, “uma viatura da PM entrou no meio do bloco atingindo a bateria e forçando o rebaixamento das cordas”. A intervenção ocorreu, segundo esse relato do coletivo de blocos, pois os agentes queriam saber se o grupo tinha autorização para o desfile. Episódios em outros cortejos também são citados no documento.
Além da Defensoria Pública, as entidades enviaram o material para a Frente Parlamentar do Carnaval, a Câmara Municipal de São Paulo e também para a Ouvidoria da PM. Remeteram também o documento ao prefeito Ricardo Nunes (MDB).
Procurada, a Prefeitura disse não compactuar com condutas inadequadas e que todas as denúncias são “rigorosamente apuradas”. O Comando Geral da Guarda Civil Metropolitana, continuou, abriu apuração preliminar para averiguar os casos.
;”Atos isolados não representam o excelente trabalho que a Guarda realizou para garantir a proteção dos foliões durante as centenas de blocos de rua espalhados por todas as regiões da capital”, disse, em nota. “A GCM colaborou de forma significativa para garantir um carnaval mais seguro na cidade, com aproximadamente 1,4 mil agentes e 300 viaturas por dia nas ruas, além de 60 motos extras por dia.”
A Polícia Militar afirmou, em nota, que, após o término do Bloco do Fuá, “houve tumulto devido à aglomeração e algumas pessoas jogaram diversas garrafas e latas de bebidas contra os policiais militares; inclusive um deles foi ferido na cabeça, e precisou de socorro médico”.
“Foi necessária a ação policial para retomada da quebra da ordem pública, com o apoio da Guarda Civil Metropolitana”, afirmou a pasta. “Não foi reportado à Polícia Militar nenhum caso de pessoas feridas relacionadas ao fato.”
A polícia disse ainda que foram atendidas 301 mil chamados durante o carnaval de São Paulo. “Em todos eles, não foi relatada agressão policial”, afirmou. “A Polícia Militar reitera o seu compromisso diuturno de não compactuar com quaisquer desvios dos seus agentes, demonstrando transparência em todas as suas ações.”