Nos últimos anos, as casas de apostas pela internet invadiram os times de futebol, o mercado publicitário e também os bolsos dos brasileiros. Sem regulamentação para operar em solo nacional, empresas como PixBet, Betfair, BetNacional, Betano e centenas de outras têm sede no exterior, mas movimentam bilhões dos apostadores nacionais.
As estimativas são de que o dinheiro que passa por essas empresas de apostas chegue a R$ 12 bilhões este ano, pelas contas de Magno José, presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal e fundador do site BNL Data.
Mas a operação dessas empresas de apostas por aqui não é exatamente ilegal, apesar da falta de regulamentação. Em 2018, no governo de Michel Temer, essas apostas foram legalizadas no País, mas se estabeleceu um prazo máximo de quatro anos para que fossem regulamentadas pelo Ministério da Fazenda.
Esse prazo venceu em dezembro passado e, como isso não aconteceu, elas operam hoje em uma espécie de limbo regulatório. Sem fiscalização, as suspeitas de manipulação de resultados e de lavagem de dinheiro também proliferam.
O potencial arrecadatório dessa atividade não passou despercebido ao novo governo. O Ministério da Fazenda não tem ainda números oficiais sobre a movimentação dessas empresas, mas o ministro Fernando Haddad já afirmou que pretende usar a tributação dos jogos para compensar a perda da arrecadação causada pela revisão na tabela do Imposto de Renda, que terá ampliação da faixa de isenção a partir deste ano. A estimativa do governo é de arrecadar entre R$ 2 bilhões e R$ 6 bilhões por ano com a cobrança de tributos sobre as apostas esportivas.
“O setor de casas de apostas é importante na economia global e opera hoje no País em uma zona cinzenta, apesar de já patrocinar clubes de futebol brasileiros. Isso deixa de movimentar a economia, gerar empregos, e o consumidor não tem a segurança jurídica de estar protegido por regras”, diz Danielle Maiolini Mendes, advogada especialista em direito esportivo na CSMV Advogados.
Mesmo as empresas que atuam hoje no País sem a obrigação de pagar impostos torcem pela regulamentação da atividade, mesmo que isso signifique, a princípio, alguma perda financeira.
“A regulamentação, certamente, irá contribuir para o desenvolvimento ainda maior do mercado, que tem grande potencial de crescimento no Brasil nos próximos anos. Atualmente, o governo não arrecada impostos, e isso acaba favorecendo o mercado paralelo”, diz Alexandre Fonseca, country manager da Betano no Brasil.
No futebol brasileiro, as casas de apostas se tornaram onipresentes. Hoje, elas patrocinam ou negociam patrocínio com todos os 20 clubes da Série A, seja o patrocínio principal ou em outras áreas do uniforme. A Copa do Brasil é patrocinada pela Betano. A Betnacional é uma das patrocinadoras da transmissão do Campeonato Brasileiro na Rede Globo. Ou seja, essas empresas têm participação cada vez maior no principal esporte brasileiro.
É uma relação que desperta alguma desconfiança, porém. Recentemente, o Ministério Público de Goiás anunciou uma investigação sobre um esquema de manipulação de resultados de jogos a Série B, em 2022, com a finalidade gerar ganhos aos apostadores.
Para quem acompanha o setor, outros problemas, como lavagem de dinheiro, existem e devem continuar existindo, mas é preciso regulamentar as apostas até mesmo para facilitar a fiscalização.
“Se houver um volume grande de apostas incomuns, não há uma regulamentação (para isso ser fiscalizado). Essas apostas podem indicar lavagem de dinheiro ou tentativas de manipulação de resultados. Não sabemos qual é a obrigação de reportar atividades incomuns em casas de apostas. Sem isso, não há punição. Isso coloca todo o setor em risco. A falta de regulamentação deixa as empresas à deriva, sem saber direitos e deveres”, afirma Lucas Albuquerque Aguiar, advogado criminalista do escritório Davi Tangerino Advogados.
Para os apostadores, segundo os advogados, se houver algum problema com pagamento de prêmios, por exemplo, fica muito mais difícil reclamar ou entrar com processo, já que as empresas não têm representação aqui.
Marcos Sabiá, CEO do galera.bet, diz que o movimento de regulamentação é “urgente” e “extremamente positivo”, por definir os marcos legais de operação, assim como a proteção a apostadores, às casas de apostas e ao mercado esportivo do País contra fraudes e outras atividades ilícitas.
“Entre os diversos benefícios da regulamentação, entendemos que se destacam o estabelecimento de regras claras e controles mais efetivos para prevenir ilícitos como o uso indevido de dados pessoais, práticas de lavagem de dinheiro, ou marketing que fomente o jogo irresponsável”, disse.
Segundo ele, haverá haveria também a possibilidade de se organizar “um sistema robusto de monitoramento da integridade das partidas nacionais”. “No final das contas, com os apostadores de boa-fé, (as empresas) são as principais vítimas das fraudes esportivas”, afirma.
O diretor de marketing da Casa de Apostas, Hans Schleier, afirmou que o crescente número de investimentos das empresas de apostas no futebol vem gerando resultados positivos para ambas as partes.
“Estamos com boas expectativas de que se concretize em um futuro próximo. Observamos movimentações acontecendo frequentemente no Legislativo e acreditamos que em breve o tema terá um desfecho positivo. É um assunto importante e que interessa a todas as partes. Esperamos que em breve possamos comemorar a regulamentação das apostas esportivas no Brasil”, diz.
O Ministério Público de Goiás (MP-GO) investiga um esquema de manipulação de resultados de jogos da Série B, em 2022, com a finalidade gerar ganhos aos apostadores. Jogadores como Romário, ex-Vila Nova, e Matheusinho, ex-Sampaio Corrêa, são investigados na operação chamada “Penalidade Máxima”.
Segundo o MP-GO, o esquema de apostas consistia na marcação de pênaltis no primeiro tempo das partidas. Porém, não houve a marcação de pênalti em um dos jogos, impedindo o êxito da aposta. Cada jogador envolvido receberia R$ 150 mil, enquanto o prejuízo estimado dos apostadores é de R$ 2 milhões.
Leandro Pamplona, advogado e membro da Comissão Especial de Direito dos Jogos Esportivos, Lotéricos e Entretenimento da OAB/RJ, diz que a regulamentação pode ajudar a criar penalidades adequadas para a manipulação de resultados, mas não deve acabar de vez com a prática, que é antiga no esporte.
“O MP está de mãos atadas. O MP de Goiás deflagrou operação recente e precisou ter jogo de cintura para enquadrar manipulação em outros crimes, como quadrilha ou estelionato. O jogo legal sempre existiu. A melhor saída é fazer a regulamentação”, diz.A Bet365 é uma ca
sa de apostas fundada pela britânica Denise Coates, no ano 2000, ao custo de £ 15 milhões (por volta de R$ 95 milhões). Hoje, ainda como principal acionista da empresa, acumula fortuna de US$ 5,4 bilhões (R$ 78 bilhões), segundo a Forbes.
Operada pelo grupo Kaizen Gaming, a Betano é uma empresa com sede na Grécia que atua há mais de dez anos no mercado de apostas esportivas. A empresa está em pelo menos 12 países, entre eles Portugal, Alemanha, Romênia, Grécia, Chipre, Chile e Bulgária.
A BetNacional é parte do Grupo NSX Sports, fundado em Recife (PE) por João Studart. Durante a Copa do Mundo, a empresa contratou o atacante Vinícius Júnior como embaixador da marca.
A Betfair é uma empresa de apostas do Reino Unido. Além de apostas esportivas, trabalha com cassino, pôquer e bingo online. Em 2006, o fundo japonês Softbank comprou 23% do negócio. Após a permissão legal para operar, o grupo chegou ao Brasil em 2019.
A Bet Pix 365 é uma das maiores empresas de apostas da Europa. Fundada no Reino Unido em 1974, a companhia passou a permitir apostas via internet em 2000. Em 2005, fechou suas casas de apostas fixas para ficar apenas na web.