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Entrevista

António Vitorino: “Migração aumenta com as alterações climáticas”

O diretor-geral da Organização Internacional para Migrações, OIM, António Vitorino participa do Diálogo Internacional sobre Migração 2023.

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31 de março de 2023
Vinicius Palermo
António Vitorino: “Migração aumenta com as alterações climáticas”
O diretor-geral da Organização Internacional para Migrações, OIM, António Vitorino.

O diretor-geral da Organização Internacional para Migrações, OIM, António Vitorino participa do Diálogo Internacional sobre Migração 2023 e discutiu o aumento da mobilidade humana em apoio aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. O evento ocorre na quinta-feira e sexta-feira, na sede das Nações Unidas em Nova Iorque.

Qual é o seu recado aos países-membros sobre necessidade de mais mobilidade quando muitos ainda resistem em abrir suas fronteiras para os migrantes?

As migrações são um fenômeno humano, historicamente, e vão continuar. E têm um contributo positivo tanto para as sociedades de acolhimento como para as sociedades de origem. O que é preciso é que a migração seja regular, ordeira e segura como se diz no Pacto Mundial, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Nós pensamos que a maior violação dos direitos humanos é o tráfico de seres humanos. Mas para combater melhor o tráfico e a imigração irregular é preciso que haja canais de imigração regular. E os países de destino têm necessidades de mão-de-obra. Muitos deles são países envelhecidos.  E por isso é preciso combinar as capacidades e as potencialidades dos migrantes com as necessidades dos países de acolhimento.

E como convencer os países-membros que ainda hesitam?

Em primeiro lugar fazendo a advocacia sobre os benefícios da migração. Em segundo lugar: focando-nos na integração. A integração dos migrantes nas sociedades de acolhimento não é um processo fácil. É um processo que exige a vontade dos próprios imigrantes que lá estão, mas também a vontade das comunidades de acolhimento. Políticas públicas de acesso aos serviços sociais, à educação, à saúde, à proteção social, ao alojamento. São políticas exigentes. Mas são políticas que podem contribuir para o reforço da coesão social das sociedades de acolhimento, mais diversas, mas ao mesmo tempo mais solidárias.

Um outro tema é a ligação entre migração e mudanças climáticas. A crise humanitária que os desastres naturais provocam gerando mais migrantes e deslocados internos. O que cada país pode fazer além, claro, de implementar mais ação climática?

O que nós vemos, hoje em dia, em todo lado, em todas as geografias é que os fenômenos de desastre natural são mais frequentes e mais intensos.  Recentemente, tivemos em Moçambique, por exemplo, a tempestade tropical Freddy, que foi a de mais longa duração na história, e que atingiu as zonas terrestres duas vezes. Atingiu, saiu e depois voltou. Num espaço de poucos dias. Portanto, isto prova que há cada vez mais pessoas serem forçadas a deslocarem pelos impactos das alterações climáticas. É o que essas pessoas precisam é de duas coisas fundamentalmente. A primeira é serem apoiadas para se adaptarem às alterações climáticas. Para adaptarem as suas vidas cotidianas, as suas produções agrícolas às alterações climáticas, à falta d’água que é hoje o grande problema e construírem a sua própria resiliência para que possam permanecer, o mais possível, nas zonas de origem.
Mas a segunda questão é que quando elas são forçadas a deslocar-se têm que ser apoiadas, assistência humanitária, quando se deslocam e sobretudo apoiadas para encontrarem soluções alternativas nos sítios aonde vão.

Se a gente parar para pensar na história da humanidade, desde os seus primórdios, essa é uma história de pessoas em movimento, de migração. Qual a contribuição desses migrantes para o desenvolvimento dos países que escolhem para viver?

Infelizmente, as percepções não coincidem com as realidades. As realidades são que os migrantes dão um contributo não só para o desenvolvimento dos países de acolhimento, enquanto consumidores, enquanto contribuintes, pagam taxas, pagam impostos quando a migração é regular, ordeira e segura. Mas são também inovadores, são empreendedores.
São pessoas que têm uma grande vontade de vencer num ambiente que lhes é, muitas vezes, desconhecido. Mas a percepção que eles são um fardo para as comunidades de acolhimento. Isso não é verdade, do ponto de vista da estatística, do ponto de vista dos dados econômicos. Mas obviamente, há aí sempre uma tensão identitária, que tem que ser superada, através da pedagogia e da demonstração do contributo que os migrantes dão.

Quando se é migrante trabalhando um pouco nesse país, um pouco naquele. Na hora da aposentadoria ou da reforma. Quem paga a conta?

É uma bela pergunta.  Devo dizer que para isso é preciso haver acordos laborais bilaterais. Que exatamente prevê a possibilidade da transferência das contribuições acumuladas. Mas ainda são poucos.  E é preciso trabalhar mais. É preciso ampliar o número dos acordos bilaterais e sobretudo vê-los também por regiões. Acordos multilaterais, que permitam que trabalhadores de um país migrante que se concentram noutro país ou noutra região possam aproveitar as contribuições que fazem para a segurança social quando chegaram à sua idade de reform. Isso é o mínimo de dignidade que nós temos que garantir para os migrantes que trabalham, que dão o seu contributo positivo, e que depois quando chegam à idade de descansar também têm que ser protegidos.