Em um documento judicial, a Americanas acusou o BTG Pactual de “participação, conivência e culpa” no rombo contábil de R$ 20 bilhões que levou à crise na empresa. Na peça, a companhia incluiu “cartas de circularização” do banco à auditoria PricewaterhouseCoopers (PwC) – esses documentos são usados por empresas de inspeção e credores para checar dados de balanços.
“O BTG também teve participação nos atos que culminaram no cenário periclitante atual. Aliás, não apenas participação, mas conivência e culpa”, escreveram os advogados da varejista no recurso da Americanas ao processo movido pelo BTG contra a companhia no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo os defensores da Americanas, em 2021, a PwC pediu ao BTG informações sobre os ativos da empresa e “todo e qualquer passivo, incluindo-se eventuais empréstimos bancários e garantias”.
“No entanto, em sua resposta à carta de circularização da PwC, o BTG não informou qualquer passivo”, afirmou a defesa da rede de lojas. Para os advogados da empresa, o banco tomou essa atitude “possivelmente por considerar tal operação de ‘risco sacado’ como sendo meramente comercial, e não uma dívida financeira.”
O risco sacado é uma linha de crédito que envolve uma triangulação entre a empresa, seus fornecedores e bancos – na operação, instituições financeiras quitam o débito da empresa com fornecedores e transformam o valor em dívida. “O BTG, na verdade, indicou somente ativos do Grupo Americanas, contribuindo para as inconsistências contábeis”, segundo o documento judicial dos advogados da varejista.
O embate entre Americanas e os bancos credores começou com o bloqueio de R$ 1,2 bilhão que a companhia tinha depositado no BTG. O banco alegou no processo ter feito a operação porque a companhia teria efetuado saques que somaram R$ 800 milhões.
Também nos autos, a varejista indicou que o avanço de bancos sobre seu caixa, iniciado pelo BTG, levou a rede a uma situação insustentável, com R$ 250 milhões para tocar toda a sua operação A iniciativa dos bancos adiantou, disse a empresa, o pedido de recuperação judicial. A Americanas está agora no chamado “prazo de blindagem”, período de 180 dias em que todas as suas dívidas ficam suspensas. A empresa informou à Justiça ter uma dívida de R$ 43 bilhões.
A varejista questionou a legalidade do bloqueio do BTG, pois, de acordo com a Americanas, a operação foi feita sem respeitar o prazo de três dias para a resposta da empresa à notificação extrajudicial do banco. Se o prazo tivesse sido cumprido, a empresa já estaria protegida pela medida cautelar do Tribunal de Justiça do Rio que impedia vencimentos antecipados de dívidas. O trio de acionistas bilionários da Americanas – Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles – já atribuiu publicamente parcela da culpa pela crise aos bancos credores.
Em nota, o BTG afirmou ser “inconcebível” alegar que a instituição teve influência no desfalque. “É completamente inconcebível alegar que o BTG Pactual iria compactuar com prática que poderia comprometer a sua exposição junto à companhia. A leviana criação de narrativas no intuito de atribuir aos bancos qualquer tipo de responsabilidade neste lamentável episódio tem por objetivo desviar a atenção do problema central”, afirmou.
Bancos estrangeiros se juntaram formalmente ao grupo de bancos credores nacionais da Americanas para tentar avançar na negociação com a empresa. Segundo pessoas que acompanharam as ações, representantes de JPMorgan, Bank of America e Goldman Sachs participaram das conversas.
Um dos objetivos dos bancos é buscar a tese de “desconsideração da personalidade jurídica”, para cobrar os acionistas bilionários da Americanas: Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles. Quando uma empresa quebra, os credores têm direito a tentar retomar os bens e ativos só da companhia – a responsabilidade dos sócios é limitada. A exceção é quando há fraude, situação que envolve também os controladores.
De acordo com o executivo de um banco credor, que preferiu não se identificar, todos os bancos estão indo pelo mesmo caminho. Segundo ele, a única questão é analisar juridicamente qual deve ser o foro de cada ação, o Brasil ou o exterior.
Até aqui, Bradesco e Itaú conseguiram na Justiça de São Paulo sinal verde para produzir antecipadamente provas que possam comprovar quem foram os responsáveis pelo que suas defesas qualificam como fraude. No caso do Bradesco, a autorização é para a apreensão de e-mails de executivos e conselheiros da companhia, inclusive os que já deixaram os cargos, nos últimos dez anos. A Americanas alegou que o banco não poderia fazer essa coleta, mas até aqui, não obteve sucesso.
O que os bancos buscam é comprovar que houve fraude e que os principais acionistas conheciam a situação. Entre banqueiros, é comum a afirmação de que Carlos Alberto Sicupira, um dos membros do “trio”, tinha voz decisória no dia a dia da Americanas, e que, portanto, não se pode supor que estaria distante de debates sobre as contas e o endividamento da empresa.
Os bancos têm rechaçado a tese dos advogados da Americanas – e dos seus maiores acionistas – de que eles possuem parte da culpa no rombo de R$ 20 bilhões, por terem assinado cartas de circularização.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) atendeu a pedido da Americanas e colocou sob sigilo e-mails de executivos da companhia que podem ser apreendidos em ação de produção antecipada de provas movida pelo Bradesco. Além disso, a Justiça paulista permitiu o compartilhamento das mensagens com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que investiga o rombo contábil de R$ 20 bilhões da companhia.
A Americanas pediu ao TJ que os documentos fiquem sob sigilo até que haja uma triagem pelos peritos nomeados pelo tribunal. “O teor dos documentos a serem apresentados pelo Grupo Americanas tem caráter sigiloso, contendo não só informações sobre negócios, mas também sobre a vida privada das pessoas atingidas”, afirmou a defesa da varejista.
O sigilo valerá apenas para os e-mails, documentos e demais dados que forem apreendidos até que o perito nomeado faça uma triagem. Este é outro ponto em que há divergência. A perita Patrícia Punder renunciou à função por “divergência sobre honorários”. O nome substituto não foi definido.