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Alexandre de Moraes diz que inquérito das fake news foi ‘acerto histórico’ do STF

O ministro do STF Alexandre de Moraes foi escolhido relator do inquérito, o que o colocou na mira da militância bolsonarista.

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01 de abril de 2023
Vinicius Palermo
Alexandre de Moraes diz que inquérito das fake news foi ‘acerto histórico’ do STF
Moraes também se defendeu das críticas à decisão que mandou fazer buscas em endereços ligados a grandes empresários bolsonaristas investigados sob suspeita de financiarem atos antidemocráticos.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou na sexta-feira, 31, que a abertura do inquérito das fake news foi um ‘acerto histórico’.

“Se não tivesse esse inquérito, as agressões teriam aumentado de forma exponencial até uma ruptura”, defendeu.

A investigação foi instaurada por ordem do então presidente do tribunal, Dias Toffoli, e se tornou uma das primeiras ofensivas do STF contra a base de apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Moraes foi escolhido relator do inquérito, o que o colocou na mira da militância bolsonarista. “Não achem que eu pedi para ser o relator, foi goela abaixo”, afirmou.

Ele contou que a investigação foi aberta por iniciativa do próprio tribunal, em meio a uma escalada de ameaças aos ministros, porque a Polícia Federal (PF) não teria respondido aos apelos de Toffoli.

“Você não tem resposta da PF, o risco pessoal e profissional aumenta, nós vamos, enquanto Brasil e enquanto instituição, esperar pra ver o que ocorre? Foi um acerto histórico do ministro Dias Toffoli como presidente do STF”, avalia.

Na época, a decisão gerou uma onda de críticas ao STF, porque na prática o tribunal abriu a apuração e passou a equilibrar os papéis de ‘vítima’ e ‘juiz’ do caso.

“A forma de utilização tradicional dos mecanismos era insuficiente. Toffoli já havia enviado mais de 30 ofícios à Polícia Federal. Estavam todos parados”, contou. “Ou você interpreta finalísticamente ou você entrega a chave do Supremo Tribunal Federal.”

Diante de uma pequena e seleta plateia, na Fundação FHC, em São Paulo, o ministro fez uma espécie de balanço da atuação do Supremo em defesa da democracia ao longo do governo Bolsonaro. Moraes defende que o STF funcionou como uma espécie de trincheira contra os arroubos autoritários do ex-presidente e de sua base aliada.

“A queda do STF seria a queda do Estado Democrático de Direito”, disse. “Vimos deputados gravando vídeo e ameaçando de morte ministros do Supremo Tribunal Federal como fosse uma coisa normal.”

O ministro relembrou, por exemplo, o ataque ao STF, em junho de 2020, quando extremistas do autodenominado grupo 300 do Brasil soltaram fogos contra o prédio do tribunal: “Hoje é rojão, amanhã é tiro e depois de amanhã é bazuca”, projeta. “Era ridículo, mas incendiou as redes.”

Moraes também se defendeu das críticas à decisão que mandou fazer buscas em endereços ligados a grandes empresários bolsonaristas investigados sob suspeita de financiarem atos antidemocráticos. A operação aberta em agosto do ano passado atingiu nomes como Luciano Hang, da rede de lojas Havan, Afrânio Barreira Filho, do Grupo Coco Bambu, e Joseph Meyer Nigri, fundador da Tecnisa.

“Por que não são pobres, eles não podem ter busca e apreensão? Porque no Brasil só pobre e preto pode ter busca e apreensão? Só que isso evitou 7 de setembro financiado”, defendeu.

O ministro assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) às vésperas da eleição e precisou lidar com tentativas de colocar sob suspeita a segurança das urnas eletrônicas, de descredibilizar os institutos de pesquisa e de anular o resultado do processo eleitoral.

Foi ele quem vetou as investigações abertas pela PF e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre os institutos de pesquisa eleitoral. “Claramente era uma forma de tentar influenciar nas eleições”, afirmou.

A campanha de Bolsonaro também chegou a pedir o adiamento do segundo turno. A equipe jurídica do então presidente alegou que ele teria sido prejudicado porque parte de suas inserções de rádio não teria ido ao ar. “A ideia era colocar o segundo turno em risco”, avalia Moraes.

Com a derrota de Bolsonaro nas urnas, o PL passou a tentar anular parte dos votos. A ação rendeu ao partido uma multa de R$ 22,9 milhões, imposta por Moraes, e investigações na esfera criminal. O ministro classificou a estratégia como uma ‘grande e patética manobra’.

“Negócio patético se não fosse agressivo à democracia”, disparou o ministro. “O absurdo de um partido político que, no primeiro turno elegeu 99 deputados, quase 20% da Câmara, 6 a 8 senadores, governadores, pedir a impugnação da eleição.”

Na avaliação do ministro, o discurso infundado sobre fraude das urnas foi uma ‘lavagem cerebral’. Ele também avalia que foi um ‘erro’ ter deixado os bolsonaristas acampados em frente ao Quartel General do Exército em Brasília. “Eu diria mais que um erro, foi uma omissão que está sendo investigada. Obviamente eu não poderia determinar de ofício a retirada”, explicou.

Moraes ainda ironizou os acampamentos, que segundo ele lotavam no final do dia, com ‘churrasco’ e ‘chope de graça’: “Esses são os verdadeiros revolucionários.”

A PF e o Ministério Público Federal (MPF) já sinalizaram que o acampamento serviu de base para os atos golpistas do dia 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes. As sedes do STF, do Congresso e do Planalto foram invadidas e depredadas por bolsonaristas radiciais inconformados com a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“Essas pessoas precisam ser responsabilizadas para perceber que não é fácil atentar contra a democracia”, defende Moraes. “É um negócio assustar o que essa lavagem cerebral das milícias digitais está fazendo com as pessoas. E nós não podemos subestimar de novo.”

O ministro voltou a defender a regulação das redes sociais. “(É necessário) para não ficarmos na mão de extremistas que continuam a instrumentalizar as big techs para discurso de ódio, atentados contra à democracia e à imprensa”.

O magistrado diz não ser favorável a uma regulação restrita das redes e indica que toda regulamentação sobre o tema deve se basear em uma máxima. “Tudo que não pode no mundo real, não pode no mundo virtual. Não precisa de mais nada. Se aplicarmos o que já temos, conseguimos limitar essas agressões”.

Em meio à sua exposição, Alexandre de Moraes chegou a indicar linhas gerais que serão propostas ao Congresso pelo grupo de trabalho do Tribunal Superior Eleitoral que se debruça sobre desinformação e redes sociais. A equipe desenvolveu propostas de melhor autorregulação e standards para uma regulação externa, indicou o ministro.

Segundo o magistrado, é preciso responsabilizar as plataformas pelos conteúdos que são impulsionados ou monetizados por elas. Alexandre de Moraes diz considerar que tal estratégia é mais eficiente que do que ‘querer definir o que é fake news, de forma abstrata’.

Também é necessária maior transparência nos algoritmos, ressaltou o ministro. “Deve haver uma transparência maior e todas bigtechs recusam isso. Há um interesse econômico. Se é um meio de ganhar dinheiro, sai da ideia de que (plataformas) são meras depositárias (de conteúdo). É um negócio e temos que tratar isso como um negócio”.

Alexandre de Moraes ainda defendeu que as plataformas apliquem o controle já realizado em casos de pedofilia e violação de direitos autorais à moderação de postagens sobre nazismo, racismo e discurso de ódio atentatório à democracia.

Segundo o magistrado, nos casos citados, a inteligência artificial analisa as postagens e já derruba boa parte daquelas com pornografia infantil ou que violem direitos autorais. As publicações restantes são analisadas por uma equipe.

Outro ponto defendido pelo ministro é o de que as plataformas possam, a partir de autorregulação, possam derrubar publicações que já foram analisadas pelo Judiciário. “Uma decisão manda tirar uma notícia (falsa). Se tirou uma vez, a empresa tem que tirar todas as semelhantes”, ressaltou. “Se é comprovadamente ilegal, basta preparar um programa que estenda aos demais casos. Isso não existe hoje”.

As ponderações foram feitas pelo ministro dias após o Supremo provomer audiências públicas para discutir a responsabilidade das plataformas sobre o conteúdo postado pelos usuários.