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Galípolo diz que posição do BC é de sempre ser mais cauteloso na política monetária

“A posição do Banco Central é sempre de ser mais conservador”, comentou Galípolo, em um evento do Itaú Unibanco, em São Paulo.

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14 de outubro de 2024
Vinicius Palermo
Galípolo diz que posição do BC é de sempre ser mais cauteloso na política monetária
O diretor de Política Monetária do Banco Central e futuro presidente da autarquia, Gabriel Galípolo

O diretor de Política Monetária do Banco Central e futuro presidente da autarquia, Gabriel Galípolo, disse que a robustez do mercado de trabalho sinaliza a necessidade de maior cautela na condução da taxa Selic, já que indica um processo de desinflação mais lento e mais custoso. “A posição do Banco Central é sempre de ser mais conservador”, comentou Galípolo, em um evento do Itaú Unibanco, em São Paulo.

Indagado sobre o dinamismo do mercado de trabalho, Galípolo afirmou que várias explicações são possíveis – incluindo uma redução da taxa neutra de desemprego (Nairu, na sigla em inglês), em função de reformas e mudanças tecnológicas. Mas, reforçou, o papel do BC é ser conservador nesses casos.

O diretor de Política Monetária do Banco Central disse que o dinamismo da atividade econômica, mesmo com uma taxa de juros restritiva, tem chamado a atenção do Comitê de Política Monetária (Copom). Ele ressaltou que, nos últimos anos, tem sido comum os analistas aumentarem ao longo do tempo as projeções de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

Durante o Itaú BBA Macro Vision 2024, Galípolo comparou esse fenômeno ao GPS de um aplicativo de transporte. “Ao longo do trânsito, conforme o aplicativo de trânsito ia recalculando o tempo estimado, eu fui pensando como aquilo é um pouco parecido com as nossas projeções de crescimento ao longo dos últimos anos”, afirmou o diretor, citando seu próprio deslocamento para a palestra.

Segundo o futuro presidente do BC, a expectativa tanto da autoridade monetária, como do mercado, era de alguma desaceleração no ritmo de crescimento da economia, acompanhada de uma abertura do hiato do produto. “Após várias surpresas sucessivas, acabamos fazendo essa mudança relevante do hiato para um campo positivo”, afirmou, referindo-se à revisão da estimativa de hiato que apareceu no último ciclo de comunicações do Copom.

O diretor de Política Monetária afirmou que a condução da taxa básica de juros tem refletido essencialmente a dinâmica das projeções no horizonte relevante, de 18 meses à frente. Ele repetiu que não há “relação mecânica” entre a definição dos juros americanos e da taxa Selic.

Indagado sobre o peso dos modelos do BC nas decisões do Copom, ele também afirmou que não há “relação mecânica” entre os números e a decisão.

Esses modelos, explicou Galípolo, servem mais como uma “espinha dorsal” para orientar o debate entre os nove membros do colegiado na hora de definir a taxa Selic.

“A gente está ali e nós vamos consumir o modelo, mas não há uma relação também mecânica entre o que o modelo vai nos colocar e o processo de decisão. Por isso que são necessárias nove pessoas”, disse o diretor. “Acho que ele é muito importante como um eixo estruturante, ele organiza o debate, mas não há uma relação mecânica entre a decisão e o modelo.”

Galípolo mencionou a robustez do mercado de trabalho como um dos fatores que indicam esse hiato positivo. Na avaliação dele, as medições de inflação corrente, como o IPCA, parecem refletir algum impacto desse dinamismo da economia. Ele citou a média móvel trimestral anualizada e dessazonalizada dos serviços subjacentes e intensivos em mão de obra, que cedeu na passagem para setembro, mas continua acima da meta. O diretor acrescentou que as expectativas de inflação continuam desancoradas.

O diretor reforçou que a instituição, que vai presidir a partir de janeiro, segue dependente de dados e reativa, em função das surpresas econômicas. Ao elencar os elementos que levaram o BC a uma posição mais conservadora, Galípolo citou o hiato positivo, o mercado de trabalho apertado, as surpresas com o crescimento econômico e o real mais desvalorizado. “Tudo isso a gente elencou, e estamos olhando, mas no fim do dia, dada a volatilidade, estamos dependentes de dados e mais reativos”, disse o diretor ao responder a uma pergunta sobre a taxa terminal do ciclo de alta dos juros.

O diretor de política monetária disse que transparência, de modo a eliminar interpretações erradas sobre as decisões do BC, é um dos principais desafios. “Parte do ruído sobre BC e política monetária se deve a alguma opacidade na comunicação.”

Mais uma vez, ele defendeu que o BC não tenha voto na fixação da meta de inflação no Conselho Monetário Nacional (CMN). Lembrou que, em mais de um ano no Comitê de Política Monetária (Copom), já votou favorável à manutenção, redução e elevação dos juros.

Ao falar sobre inovação, uma marca do presidente atual do BC, Roberto Campos Neto, Galípolo observou que esta frente de trabalho, após mostrar atrito maior em seu início, atingiu um grau de maturidade, sendo hoje uma agenda de parceria com quem faz a intermediação financeira, ou seja, os bancos. “Vocês conhecem as dores do cliente. O BC quer ser não só um parceiro, mas também escutar as soluções possíveis para as dores”, declarou Galípolo durante o evento do Itaú BBA.

O diretor de Política Monetária do Banco Central avaliou também nesta segunda-feira que a desancoragem das expectativas de inflação está associada ao forte crescimento da economia, e não a uma percepção no mercado de ruptura após a sucessão na instituição.

Durante o Macro Vision, evento do Itaú BBA, Galípolo disse que as expectativas de inflação continuam desancoradas para os padrões do BC. Ele afirmou, porém, que tem dificuldade de encontrar sinais de risco de descontinuidade quando olha para as expectativas, tanto as implícitas quanto as de mercado.

O diretor afirmou que tende a avaliar as revisões de expectativas como sendo relacionadas à atividade econômica, que cresce acima da capacidade, e a variáveis que influenciam o crescimento, como política fiscal, crédito, questões climáticas e câmbio. “Isso dá mais conta de explicar a questão das expectativas”, pontuou Galípolo.

Ele citou o ceticismo com a viabilidade da meta de inflação de 3% entre os fatores que também levam à desancoragem, mas podem ganhar ou perder peso ao longo do tempo. Mais uma vez, Galípolo defendeu que o BC não tenha voto na fixação da meta de inflação no CMN. Assim, a meta, emendou, é um “não tema” para um diretor do BC. Cabe à instituição apenas colocar a taxa de juros em patamar restritivo o suficiente, e pelo tempo suficiente, para levar a inflação à meta, reiterou.

Conforme Galípolo, o processo de transição do BC tem sido exemplo de consolidação da institucionalidade da autarquia. Ele também reafirmou que a troca gradual da diretoria do BC tem assegurado a transição mais suave no comando da instituição.

O diretor disse nesta segunda-feira que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem demonstrado “obstinação” na busca por uma política fiscal transparente, sustentável e socialmente justa e tem “clareza” do que precisa ser feito na seara fiscal.

“Desde o início, o ministro Fernando Haddad vem reforçando essa visão de que as políticas fiscal e monetária devem trabalhar em harmonia, dois braços do mesmo corpo, como ele sempre cita. E acho que existe bastante clareza, na visão dele, sobre o diagnóstico e o que precisa ser feito, isso está bastante claro na agenda da Fazenda”, afirmou o diretor, em um evento do Itaú Unibanco, em São Paulo.

Galípolo, que foi secretário-executivo da Fazenda na gestão Haddad, antes de ter sido indicado ao BC, afirmou que as “dores” em relação à política fiscal têm a ver com o fato de que a dinâmica da política impede com que notícias positivas sejam produzidas na velocidade que o mercado demanda. A ausência das notícias, ele disse, acaba gerando ceticismo.

O futuro presidente repetiu, ainda, o compromisso de que o BC vai buscar o centro da meta de inflação, de 3%, com os instrumentos à sua disposição. “O Banco Central tem uma meta e a função de reação do Banco Central vai sempre se dar pela persecução da meta, e essa persecução da meta pode ser feita com mais ou menos custo, a depender de uma série de variáveis que o Banco Central às vezes não tem controle”, ele disse.

Ele acrescentou que, pelo lado da Fazenda, a gestão das contradições entre expectativas é mais complexa do que no caso da política monetária. “Mas, conhecendo o meu amigo Haddad, ele é a pessoa vocacionada, a carreira dele o vocacionou para ser essa pessoa que encarna a produção de sínteses”, afirmou.

O diretor de Política Monetária do Banco Central disse ainda que a afirmação de que a autarquia só intervém no mercado de câmbio em momentos de disfuncionalidade foi “mal interpretada”, em um período de “excepcionalidade”, como um sinal de que não haveria interferências em caso de uma desvalorização do real.

“A gente depois, inclusive, e o Roberto Campos Neto puxou isso, veio adequando a comunicação para dizer que não há nenhuma mudança do ponto de vista de institucionalidade do consumo desses dados e da lógica de atuação”, afirmou Galípolo.

O diretor reiterou que o regime de câmbio do Brasil é flutuante e que a taxa serve como um amortecedor para eventuais choques. A atuação do BC, ele repetiu, ocorre dentro de uma institucionalidade e exclusivamente por problemas de liquidez ou excesso de volatilidade, sem perseguir nenhum nível de câmbio.