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Dino se diz ‘espantado’ por críticas a créditos para combater queimadas

O ministro disse que há uma “falácia” em relação ao alcance de metas fiscais derivadas do crédito extraordinário e que a Constituição prevê esses créditos para atender a situações como guerra.

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19 de setembro de 2024
Dino se diz ‘espantado’ por críticas a créditos para combater queimadas
Foto: Rosinei Coutinho - SCO - STF

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), se disse “espantado” por receber críticas sobre a abertura de créditos extraordinários, fora do arcabouço fiscal, para combater as queimadas no Brasil. “Fiquei muito espantado, senhoras e senhores, que, nos últimos dias, parece que eu que inventei o crédito extraordinário. Quem inventou foi a Constituição, em 1988”, afirmou. Dino falou na abertura de audiência pública com governadores e representantes dos dez Estados que compõem a Amazônia e o Pantanal. O objetivo é definir medidas e prazos para combater os incêndios.

Dino ainda declarou que “só existe responsabilidade fiscal verdadeira com responsabilidade ambiental” e que “o resto é hipocrisia”. “Quando me refiro aos moradores da Amazônia e do Pantanal, é porque há pessoas, nesse momento, precisando de água, precisando de comida, precisando de remédios. Por isso mesmo, na decisão relativa à audiência realizada com o Governo Federal, eu fixei a possibilidade de abertura de crédito extraordinário”, justificou.

O ministro também disse que há uma “falácia” em relação ao alcance de metas fiscais derivadas do crédito extraordinário e que a Constituição prevê esses créditos para atender a situações como guerra, comoção interna e calamidade pública. “Eu nunca vi, na história dos povos, alguém parar uma guerra por teto fiscal. E, quando se trata de evitar a invasão das nossas cidades por fumaça, que pessoas morram, que a fauna e a flora pereçam, há esta ideia de que os créditos extraordinários são ungidos”, acrescentou.

Na semana passada, já foi realizada uma audiência com o Executivo. Dino é relator de processos que tratam sobre omissão do poder público na proteção dos biomas da Amazônia e Pantanal, julgados em março. Na ocasião, o Supremo mandou o governo apresentar, em 90 dias, um plano de prevenção e combate aos incêndios no Pantanal e na Amazônia. Dino argumentou que as novas decisões fazem parte do cumprimento da decisão de março.

O ministro disse que a data de término do processo sobre queimadas, do qual ele é relator, será quando todas as decisões da Corte forem cumpridas. “Me indagaram ontem (quarta-feira, 18) quanto que esse processo acaba, se tem data. Sim, ele tem data para acabar, quando todas as decisões do Supremo forem cumpridas. Esta é a data. É meu dever como relator”, afirmou.

Dino é relator de processos ajuizados pelo PT e pela Rede, julgados em março. Os partidos pediam a declaração de um “estado de coisas inconstitucional” na política de combate a incêndios e queimadas no Pantanal e na região amazônica. O Supremo não reconheceu esse estado de violação por ver avanços no último ano, mas entendeu que devem ser tomadas providências para cumprir o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Dino determinou novas medidas diante do aumento de queimadas a partir de agosto. Na semana passada, o ministro já conduziu audiência com membros do Executivo.

O ministro afirmou que a atuação do Judiciário no tema é “um caminho facilitador das articulações institucionais e federativas para cumprimento da decisão do Supremo”. No domingo, o ministro autorizou a abertura de créditos extraordinários para o combate às queimadas fora do arcabouço fiscal. O governo federal editou medida provisória (MP) para liberar R$ 514 milhões. A decisão de Dino dispensou autorização do Congresso. “Faço questão de dizer que nós estamos aqui realizando uma função tipicamente judicial”, complementou.

Dino ressaltou, ainda, que “foi uma decisão política colocar o meio ambiente na Constituição, não foi uma decisão do Supremo”, assim como foi uma decisão política “dizer que há direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

 Dez municípios das Regiões Norte e Centro-Oeste concentram 20,5% das queimadas que atingem o Brasil desde o início do ano, informa, em nota, a Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura, com base em dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Segundo o comunicado, esses municípios estão localizados no Amazonas, em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Rondônia. Juntos, detêm 39.247 pontos de incêndio dos 190.943 focos detectados no País entre 1º de janeiro e 18 de setembro.

O município com mais focos de incêndio é São Félix do Xingu, no Pará, com 6.474. Em segundo lugar, vem Altamira, também no Pará, com 5.250. Na sequência, estão: Corumbá, em Mato Grosso do Sul, e Novo Progresso, no Pará, com 4.736 e 4.598 pontos, respectivamente. Apuí, no Amazonas, tem 4.308; Lábrea, também no Amazonas, 3.723; Itaituba, no Pará, 2.973; Porto Velho, em Rondônia, 2.710; Colniza, em Mato Grosso, 2.277, e Novo Aripuanã, no Amazonas, 2.198 focos de incêndio.

O membro do Grupo Estratégico da Coalizão, Beto Mesquita, chama a atenção para o fato de que nove desses municípios estão na Amazônia. A exceção é Corumbá, porta de entrada para o Pantanal sul-mato-grossense. “Por mais que tenha ocorrido muito incêndio no Cerrado, quando percebemos os focos de calor, notamos que eles continuam muito concentrados na Amazônia”, alerta Mesquita, na nota da Coalizão.

O representante da Coalizão comenta, além disso, que sete dos dez municípios com mais queimadas também estão na lista dos que mais desmataram em 2023, de acordo com dados do sistema Prodes, do Inpe: Altamira, Corumbá, São Félix do Xingu, Porto Velho, Apuí, Lábrea e Colniza. “Isso mostra que essas áreas estão sendo queimadas para a consolidação do desmatamento”, alerta. “Há uma relação muito clara. E, em algumas regiões, o fogo está sendo usado como novo agente de degradação.”

Mesquita acrescenta, na nota, que os incêndios são os novos vetores de destruição, “talvez tentando escapar dos sensores remotos que detectam o desmatamento”. “Com isso, quando se abrem áreas, há maior dificuldade de detectar extração, por exemplo, de madeiras de valor mais nobre”, continua. “É um desafio para os governos federal e estaduais, que precisam entender melhor essas dinâmicas para se prepararem com as estratégias mais adequadas de combate, fiscalização e preservação.”