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Emergência climática

Lula diz que, em vez de unir forças, o mundo trava guerras

Em discurso na COP28, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o mundo pode estar diante do maior desafio já enfrentado pela humanidade

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02 de dezembro de 2023
Vinicius Palermo
Lula diz que, em vez de unir forças, o mundo trava guerras
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, se reúne com o Presidente do Estado de Israel, Isaac Herzog. na COP28, Expo City Dubai. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Ao discursar para chefes de Estado e de governo na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse na sexta-feira (1º) que o mundo pode estar diante do maior desafio já enfrentado pela humanidade e criticou conflitos como os registrados no Oriente Médio. “Em vez de unir forças, o mundo trava guerras, alimenta divisões e aprofunda a pobreza e as desigualdades”.

Lula lembrou que o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) é categórico sobre o perigo do aumento na temperatura global superar 1,5 grau Celsius (°C) e destacou que a meta fixada pelo Acordo de Paris é manter esse aumento entre 1,5°C e 2 °C. “Já é insuficiente para conter o aquecimento global em nível seguro.” 

“Temos um problema coletivo de inação e outro de falta de ambição. As NDCs -Contribuições Nacionalmente Determinadas, metas anunciadas por cada país para redução dos efeitos das mudanças climáticas – atuais não estão sendo implementadas no ritmo esperado. E mesmo que estivessem, não conseguiriam manter a temperatura abaixo do limite de 1,5°C. O Brasil ajustou sua NDC e se comprometeu a reduzir 48% das emissões até 2025.”

Segundo Lula, a NDC brasileira é mais ambiciosa que a de vários países “que poluem a atmosfera desde a Revolução Industrial”, no século 19. “Mantemos o firme compromisso de zerar o desmatamento na Amazônia até 2030. Já conseguimos reduzi-lo em quase 50% nos dez primeiros meses deste ano, o que evitou a emissão de 250 milhões de toneladas de carbono na atmosfera”.  

“Mas muitos países do sul global não terão condições de implementar suas NDCs nem de assumir metas mais ambiciosas. Os mais vulneráveis não podem ter que escolher entre combater as mudanças do clima e combater a pobreza. Terão que fazer ambos. O princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, é inegociável. Ameaçado, vai na contramão de qualquer noção básica de justiça climática.”

O presidente classificou como inaceitável que a promessa de US$ 100 bilhões ao ano para conter os efeitos das mudanças climáticas, assumida por países desenvolvidos, não tenha saído do papel, enquanto, apenas em 2021, os gastos militares chegaram a US$ 2,2 trilhões. Lula destacou ainda que, no Brasil, a emergência climática já é uma realidade, citando a seca inédita registrada na Amazônia.  

“O nível dos rios é o mais baixo em mais de 120 anos. Nunca imaginei que veria isso no lugar onde estão os maiores reservatórios de água do mundo. O futuro da Amazônia não depende só dos amazônidas. O desmatamento em todo o mundo só responde por 10% das emissões globais. Mesmo que não derrubemos mais nenhuma árvore, a Amazônia poderá atingir seu ponto de não retorno se outros países não fizerem sua parte. Um aumento da temperatura global poderá desencadear um processo irreversível de savanização da Amazônia”.

“Os setores de energia indústria e transporte emitem muito gás de efeito estufa. Temos que lidar com todas essas fontes. É por isso que o Brasil está propondo a missão 1.5. Uma missão coletiva, que vai nos manter na trilha de 1,5°C. Nos dois anos até a COP30, será necessário redobrar os esforços para implementar as NDCs que assumimos. E, em Belém, precisamos anunciar NDCs mais ousadas e garantir os meios de implementação necessários para concretizá-las”, disse. “Se não deixarmos nossas diferenças de lado, em nome de um bem maior, a vida no planeta estará em perigo e será tarde demais para chorar,” explicou.

O presidente afirmou que é preciso reduzir a dependência dos combustíveis fósseis e acelerar o ritmo de descarbonização da economia.

Nesta COP em Dubai, o Brasil quer retomar o protagonismo nas negociações climáticas e obter mais verba para a preservação de florestas. Mas terá também de se esquivar de questionamentos sobre o compromisso do governo na agenda ambiental, como a incerteza sobre planos de explorar petróleo na Margem Equatorial da Foz do Amazonas e a recente alta recorde de queimadas no Amazonas e no Pantanal.

“O mundo já está convencido do potencial das energias renováveis e é hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descabornização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”, disse Lula.

O governo lançou na COP, na sexta, o Plano de Transformação Ecológica. Capitaneado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esse programa pretende impulsionar o Brasil na disputa por espaços em áreas como bioeconomia e energia limpa.

Mas a oscilação do presidente sobre explorar petróleo na Margem Equatorial do Amazonas tem chamado a atenção internacional. O plano divide o governo internamente. A área ambiental resiste em conceder licenças para que a Petrobras pesquise petróleo na região. Já a pasta de Minas e Energia defende fazer o estudo com o propósito de extrair o recurso. Em falas recentes, o presidente tem minimizado a controvérsia.

Lula criticou ainda os gastos com arsenais de guerra e cobrou mais dinheiro dos países ricos. Menções a guerras têm sido uma questão delicada para Lula, cujas declarações sobre os conflitos na Ucrânia e na Palestina já despertaram reações negativas na comunidade internacional. Numa das mais recentes, o petista equiparou a ofensiva israelense na Faixa de Gaza ao ataque terrorista do Hamas e foi criticado na comunidade judaica.

Em sua fala, Lula afirmou ainda que o Brasil estabeleceu pontes com países florestais e criou visão comum com os vizinhos amazônicos. Mas na Cúpula de Belém, em agosto, divergências entre as nações que abrigam a floresta sobre o veto a novas explorações de petróleo na região e resistências de assumir a meta de zero desmate emperraram um documento mais ambicioso.

Em Dubai, uma das principais apostas do governo neste ano é propor um novo fundo internacional que receba recursos como contrapartida para cada hectare de floresta preservado. A ideia do modelo, que foi detalhado na sexta, é de que seja diferente do Fundo Amazônia e gerido por uma instituição financeira multilateral.