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Rosa Weber vota a favor da descriminalização do aborto na 12ª semana

A manifestação da ministra, que é relatora do processo, foi inserida nesta madrugada no sistema eletrônico da Corte.

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23 de setembro de 2023
Vinicius Palermo
Rosa Weber vota a favor da descriminalização do aborto na 12ª semana
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, votou na sexta-feira (22) a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. A manifestação da ministra, que é relatora do processo, foi inserida nesta madrugada no sistema eletrônico da Corte. O caso é julgado no plenário virtual do STF.

Apesar da manifestação da ministra, o julgamento virtual foi suspenso por um pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso para levar o caso para análise do plenário presencial. A data da retomada do julgamento não foi definida.

Em seu voto, Rosa Weber entendeu que os artigos 124 e 126 do Código Penal de 1940, que criminalizaram o aborto, não foram recepcionados pela Constituição de 1988.

Para a ministra, a interrupção da gravidez até a 12ª semana de gestação não deve ser criminalizada.

“A dignidade da pessoa humana, a autodeterminação pessoal, a liberdade, a intimidade, os direitos reprodutivos e a igualdade como reconhecimento, transcorridas as sete décadas, impõem-se como parâmetros normativos de controle da validade constitucional da resposta estatal penal”, afirmou.

No entendimento da ministra, a criminalização exclui a “mulher como sujeito autônomo” pela falta aceitação do aborto por questões morais.

“O Estado não pode julgar que uma mulher falhou no agir da sua liberdade e da construção do seu ethos pessoal apenas porque sua decisão não converge com a orientação presumivelmente aceita como correta pelo Estado ou pela sociedade, da perspectiva de uma moralidade”, concluiu.

Ainda, Rosa Weber destacou que o aborto inseguro consta como uma das principais causas de impacto no delineamento sanitário do quadro da mortalidade materna.

“Como justificar a política criminal do Estado em torno ao aborto? Qual a sanção a ser imposta à mulher que toma decisão, em seu foro íntimo, que ocasiona violência consigo mesma? Como pensar a função de reeducação e ressocialização da mulher nesse caso? A mulher não se trata de pessoa a ser reintegrada socialmente, são mulheres que trabalham, que não raro já têm famílias e sustentam seus outros filhos.”

De acordo com a ministra, as mulheres que em algum momento da sua vida reprodutiva decidem pela interrupção voluntária da gravidez são as mesmas que convivem com todos nós no cotidiano da vida.

“Ou seja, estão presentes nos contextos sociais de suficiência econômica, onde têm acesso ao aborto seguro, bem como naqueles de baixa ou hipossuficiência econômica, onde acessam o aborto clandestino e inseguro, da perspectiva sanitária, e ainda com a resposta mais extrema do Estado, a coerção penal.”

Rosa ainda citou o machismo existente em torno do assunto. “A criminalização perpetua o quadro de discriminação com base no gênero, porque ninguém supõe, ainda que em última lente, que o homem de alguma forma seja reprovado pela sua conduta de liberdade sexual, afinal a questão reprodutiva não lhe pertence de forma direta. Tanto que pouco – ou nada – se fala na responsabilidade masculina na abordagem do tema. E mesmo nas situações de aborto legal as mulheres sofrem discriminações e juízos de reprovação moral tanto do corpo social quanto sanitário de sua comunidade.”

Também, a ministra cita pesquisas indicando que as mulheres negras e de classe social mais baixa são as maiores afetadas pelos abortos ilegais.

“Ainda, cumpre assinalar que abortos inseguros e o risco aumentado da taxa de mortalidade revelam o impacto desproporcional da regra da criminalização da interrupção voluntária da gravidez não apenas em razão do sexo, do gênero, mas igualmente, e com mais densidade, nas razões de raça e condições socioeconômicas. O argumento da interseccionalidade assume ponto de relevância no discurso jurídico sobre a criminalização do aborto, na medida em que descortina todos os véus da discriminação estrutural que assola a sociedade brasileira e suas instituições, públicas e privadas.”

O julgamento do caso é motivado por uma ação protocolada pelo PSOL, em 2017. O partido defende que interrupção da gravidez até a 12ª semana deixe de ser crime. A legenda alega que a criminalização afeta a dignidade da pessoa humana e principalmente mulheres negras e pobres.

A ministra convocou audiências públicas para debater a descriminalização do aborto ainda em 2018. Na ocasião, afirmou que o tema precisava de “amadurecimento”, mas prometeu que o tribunal não deixaria a sociedade sem resposta.
Rosa já havia defendido, no julgamento de um caso específico na Primeira Turma, em 2016, que não é crime a interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre.

Atualmente, a legislação brasileira permite o aborto em casos de estupro, risco à vida da gestante ou fetos anencéfalos.

A ação é relatada por Rosa Weber, que deixará o tribunal na semana que vem ao completar 75 anos e se aposentar compulsoriamente. O voto da ministra continuará valendo quando o julgamento for retomado.

Na quinta-feira (28), Barroso será empossado no cargo de presidente do STF.