Em um contexto de crescentes tensões geopolíticas, a Organização Mundial do Comércio (OMC) exorta a comunidade internacional a assegurar a “reglobalização”, isto é, um renovado ímpeto em direção ao aprofundamento da integração comercial.
No relatório anual divulgado na terça-feira, 12, a OMC explica que preocupações sobre segurança têm exercido papel cada vez mais importante nas considerações sobre a política comercial, à medida que muitos países buscam reduzir a dependência de rivais geopolíticos.
A organização, no entanto, argumenta que a fragmentação da economia mundial seria a resposta inadequada para os desafios. Segundo o documento, o comércio global tende a reduzir os riscos de conflitos entre as nações e ajudou a reduzir a pobreza nas últimas décadas.
“Um sistema comercial multilateral forte e eficaz que restringe barreiras comerciais injustificáveis e oferece soluções pacíficas a resolução de litígios fornece a base necessária para mercados internacionais profundos e líquidos com relativamente poucas barreiras à entrada e diversificação”, defendeu a diretora da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala.
No entendimento da OMC, uma menor cooperação comercial aumentaria os custos econômicos e teria impacto desproporcional para grupos vulneráveis em países de menor renda. “Em vez disso, a reglobalização poderia ser uma solução mais adequada”, ressalta a Organização.
A entidade acredita que o processo poderia ser acelerado pelo avanço da abertura do comércio de serviços, que ainda enfrenta restrições significativas em diversos setores. De acordo com a OMC, já houve progressos nessa área, como um acordo de 69 membros para a regulação de serviços domésticos.
A OMC vê sinais iniciais de que tensões geopolíticas começam a provocar uma fragmentação da economia global. Ainda assim, a instituição multilateral avalia que resiliência dos fluxos comerciais minimiza os temores sobre “desglobalização”, o fenômeno que descreve uma redução significativa da integração entre os países.
O documento lembra que os crescentes questionamentos sobre os benefícios da globalização refletem uma sequência de choques macroeconômicos nos últimos anos – da crise financeira de 2008 à pandemia de covid-19.
O cenário foi amplificado pelo aumento das divergências internacionais, simbolizadas pela contraposição entre Estados Unidos e China. Dados da OMC indicam que os fluxos comerciais de bens entre diferentes blocos geopolíticos crescem em ritmo de 4% a 6% mais lento que o comércio interno entre os integrantes desses grupos.
A Organização também chama atenção para a maior concentração do comércio no planeta. A estimativa é de que o número de produtos exportados por uma média de apenas quatro países avançou de 14% em 2000 para 20% em 2021, como proporção de todas as mercadorias comercializadas.
Apesar disso, o comércio internacional segue como uma “fonte de resiliência” para a atividade econômica do planeta, afirma a OMC. Em particular, a contínua revolução digital ajuda a promover a integração econômica ao facilitar o comércio de bens e, principalmente, de serviços, ainda de acordo com o relatório.
A diretora-geral da OMC alertou para o risco de que as críticas à integração internacional deflagrem uma gradual erosão do sistema comercial e da própria instituição que lidera.
Ngozi lembra que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a ordem econômica vigente sustenta que a interdependência entre os países favorece a paz e a prosperidade comum. “Hoje, esta visão está ameaçada, tal como o futuro de uma economia global aberta e previsível”, afirma.
A economista nigeriana cita uma série de efeitos negativos associados a um potencial processo de fragmentação global, entre eles uma maior dificuldade na resolução de desafios ambientais.
Neste cenário, Ngozi reconhece que a OMC não é perfeita, mas ressalta que o argumento em favor do fortalecimento do sistema de comércio é mais forte que o seu abandono. “Os desafios complexos de hoje exigem mais, e não menos, cooperação internacional e os membros da OMC estão ativamente analisando como atualizar e melhorar o conjunto de regras da OMC para que o comércio possa contribuir plenamente para respostas eficazes”, comenta.