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Minirreforma eleitoral afeta ficha limpa e repasses a candidaturas por cota

A proposta, fatiada em dois projetos de lei, diz em um trecho do texto que serão respeitados os 30% mínimos de repasses a mulheres

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12 de setembro de 2023
Vinicius Palermo
Minirreforma eleitoral afeta ficha limpa e repasses a candidaturas por cota
O texto da minirreforma eleitoral proposto pela Câmara dos Deputados, a ser discutido pelo Grupo de Trabalho na segunda-feira

O texto da minirreforma eleitoral proposto pela Câmara dos Deputados, a ser discutido pelo Grupo de Trabalho na segunda-feira, 11, reduz a transparência dos partidos políticos e abre uma brecha para que as siglas não precisem destinar uma porcentagem mínima de recursos a candidatos negros, apontam especialistas. Organizações pretendem contestar a iniciativa na Justiça caso o projeto seja aprovado.

A proposta, fatiada em dois projetos de lei, diz em um trecho do texto que serão respeitados os 30% mínimos de repasses a mulheres, mas a “destinação de recursos a candidaturas específicas observará a autonomia e o interesse partidário”, sem apresentar igual contrapartida a candidaturas de pretos e pardos.

Atualmente, a jurisprudência do TSE fala que o repasse há de ser proporcional. Isto é, se há 40% de candidaturas negras, 40% dos recursos devem ser destinados ao grupo. Na minirreforma eleitoral não há referência sobre o valor a ser destinado para pleitos raciais.

“Dirigentes partidários alegam que na lei, os partidos detêm autonomia para realizar suas ações. A questão de cotas não é uma prerrogativa de partido”, pontua Luciano Santos, presidente do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). “A questão de cotas é uma política pública de inclusão, acima dos partidos. É a lei eleitoral. Não dá para alegar autonomia dos partidos e deixar por conta deles como se aplica e qual o porcentual.”

O MCCE será uma das organizações que pretendem judicializar a questão caso a minirreforma seja aprovada. A organização e outros especialistas em Direito eleitoral afirmam que a nova reforma afeta não apenas questões como o repasse de cotas, mas também afeta a lei de ficha limpa e flexibiliza a transparência partidária.

A proposta desobriga que políticos apresentem um relatório de processos judiciais antes de candidatar-se e também fixa o prazo de inelegibilidade em oito anos, contando a partir da data de eleição.

“A reforma precisa de um debate mais amplo e não se deve fazer de afogadinho. É preciso ter mais cuidado e tempo um debate importante”, afirmou Luciano. “Iremos atuar de forma judicial, inclusive, se isso for aprovado.”

A presidente do Grupo de Trabalho é Dani Cunha (União-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que teve o mandato cassado em 2016, e o relator é Rubens Pereira Júnior (PT-MA).

O texto inicialmente proposto ainda passará por discussões entre os integrantes do GT até chegar à redação final. A previsão é que o texto concluído com possíveis ajustes seja protocolado às 18h de segunda-feira.

A proposta acelerou na Casa em poucos meses porque o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deseja que a nova lei possa valer para as eleições municipais de 2024. Para isso, o texto precisa ser sancionado até o dia 5 de outubro de 2023. A proposta tem previsão de passar por votação em plenário da Câmara na quarta-feira. Caso aprovada, irá ao Senado.

O relator informou na última quarta-feira que se reuniu com Lira para falar sobre a reforma e também conversou tanto com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e com o relator do novo Código Eleitoral, senador Marcelo Castro (MDB-PI). Caso a reforma não avance, é possível que tópicos dela sejam incorporados no novo código, que tramita no Senado.

De acordo com o texto, os recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário não poderão mais ser dados em garantia ou bloqueados, veda a determinação judicial de bloqueio dos bens com a única exceção em casos de má administração dos bens.

Neste caso, quem trabalhou ou prestou serviços a um candidato durante o pleito podem ficar sem receber recursos sem serem pagos.

O texto apresentado permite a propaganda eleitoral no dia da eleição, mas veda o impulsionamento pago dos anúncios para alcançar mais público. O especialista em Direito eleitoral Alberto Rollo vê aqui uma “boca de urna” em ambientes digitais, ainda que não textualmente legalizada.

“Fazer propaganda na internet no dia da eleição não deixa de ser boca de urna na internet. O eleitor abre as redes sociais e vê propaganda eleitoral, é uma boca de urna diferente, mas é uma boca de urna”, afirmou.

O projeto de lei dispensa a apresentação de certidões judiciais de “nada consta” pelos candidatos. Esses documentos acabam revelando a lista de processos quando o político responde a processos judiciais.

O texto impede que sejam aplicadas sanções de perda de mandato de candidatas ou candidatos que não tenham preenchido a cota de gênero caso a decisão implique na redução no número de candidatas eleitas. Ou seja, desde que haja uma única mulher eleita a mais, a fraude não trará consequências.

Hoje é preciso que partidos apresentem pelo menos 30% de candidaturas totais de mulheres. A minirreforma também quer que a proporcionalidade seja feita em relação ao número nacional. Isto é que o total de mulheres candidatas represente um terço de todas as candidaturas de um partido no País.

A minirreforma apresenta fatores que caracterizariam fraude à cota de gênero em candidaturas. São estas: a não realização de atos de campanha, a não realização de despesas de campanha, ausência de repasse de recursos financeiros e obtenção de votação “que revele não ter havido esforço de campanha, com resultado insignificante”.

A candidata que desistir da candidatura deverá fazer uma declaração justificada, sob pena de responsabilização caso comprovada alguma alegação falsa.

O rol de vítimas de violência política contra mulher também será ampliado. Agora, na nova redação, não apenas a candidata, mas a pré-candidata a um cargo, detentora de mandato ou qualquer mulher em razão de atividade partidária política ou eleitoral pode ser enquadrada como vítima de violência política de gênero.