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Campos Neto admite que segunda fase de desinflação é mais difícil

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse na terça-feira, 5, que o mundo está passando por uma “segunda fase” do seu processo de desinflação após a pandemia.

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05 de setembro de 2023
Vinicius Palermo
Campos Neto admite que segunda fase de desinflação é mais difícil
O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse na terça-feira, 5, que o mundo está passando por uma “segunda fase” do seu processo de desinflação após a pandemia. Essa etapa, explicou, é caracterizada pela necessidade de um esforço adicional para reduzir os núcleos de inflação, com uma taxa de sacrifício da economia também potencialmente maior.

“A gente tem esse last mile última milha, que está acontecendo em vários lugares do mundo e, no Brasil, também tem o last mile. Eu acho que é importante perseverar, porque, se não perseverar nesse momento, pode fazer com que o processo inflacionário volte”, afirmou, em evento organizado pelo Julius Baer Group no período da manhã, em São Paulo.

Com a inflação mais baixa e a necessidade de um sacrifício adicional na economia para promover a convergência final à meta, Campos Neto considera que a sociedade começa a discutir se é ideal fazer esses sacrifícios para levar a inflação ao alvo.

“É natural que, quando você chega a esse ponto, sociedade e classe política comecem a questionar qual é o nível de sacrifício que você quer fazer para atingir a meta”, afirmou Campos Neto.

Antes, o presidente do BC voltou a repetir que a pandemia ocasionou um forte aumento na demanda por bens, que ainda não retornou à tendência pré-pandemia.

Para Campos Neto, isso explica em parte a inflação persistente no mundo, já que a produção de bens consome mais energia. Ele também repetiu que a resposta de política fiscal e monetária à pandemia foi “muito intensa” no mundo todo.

O presidente do Banco Central disse ainda que as autoridades monetárias do mundo estão fazendo os ajustes necessários para perseguir a última etapa do processo de desinflação, mas a política fiscal continua dificultando o processo. “A parte monetária fez o ajuste ou está fazendo, mas a parte fiscal, nem tanto”, afirmou.

Para Campos Neto, o crescimento dos Estados Unidos, por exemplo, tem se mantido forte devido à política fiscal expansionista. Com a queda esperada para os gastos em 2024 e a o aumento de juros promovido pelo Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), o presidente do BC afirma que pode haver uma desaceleração “contratada” no ano que vem.

Sobre os ajustes de juros no mundo, ele destacou que, ao contrário do Brasil, o mundo desenvolvido não havia testado seu sistema de metas antes da pandemia. Após a crise, mesmo os bancos centrais desenvolvidos passaram a preferir conduzir a política monetária como emergentes, elevando os juros mais para evitar perda de credibilidade, afirmou.

“O que a crise mostrou é que o mundo desenvolvido começou a se sentir como emergente, pensando que talvez seja melhor elevar um pouco mais os juros, porque, se tiver de parar e depois voltar, vai perder credibilidade”, afirmou Campos Neto.

 O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, destacou que a percepção de desaceleração da economia chinesa não tem afetado os preços de commodities, que se mantêm elevados.

“Curiosamente, estamos tendo um decoupling descasamento da percepção de crescimento menor da China, sem afetar muito os preços de commodities”, disse Campos Neto, destacando que os preços do minério de ferro, por exemplo, já voltaram a um nível próximo de US$ 115 a tonelada.

O banqueiro central argumentou, no entanto, que faz sentido o pouco impacto da expectativa de menor crescimento chinês sobre os preços de commodities agropecuárias, já que a maior parte da população do país asiático já ascendeu à classe média.

Sobre o crescimento chinês, Campos Neto afirmou que a questão é a magnitude da desaceleração. “O que as pessoas dizem é que, abaixo de 4%, seria um número em que, com o desemprego de jovens associados, as pessoas teriam aquele feel bad factor”, comentou, chamando atenção para as preocupações com o mercado imobiliário chinês. Segundo ele, as ações do governo chinês parecem dedicadas a evitar o colapso desse mercado.

O presidente do Banco Central repetiu que a soma das reformas aprovadas nos últimos anos parece ter contribuído para aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) potencial do Brasil. Ele fez as afirmações enquanto comentava a surpresa positiva com o resultado do segundo trimestre, divulgado na última semana.

Campos Neto lembrou que as estimativas do mercado indicavam, há seis ou sete anos, PIB potencial de 2,8%. Segundo o banqueiro central, economistas citavam medidas já aprovadas – como reforma da Previdência e reforma trabalhista – como fatores que aumentariam esse crescimento potencial. Mas as estimativas têm caído.

“Se pulo de oito anos para trás para este momento, diria que, do ‘top 10’, trabalhamos pelo menos uns oito. Você pode até dizer que não foi a reforma ideal, mas parcialmente endereçou o problema. Mas, se você olha a estimativa de crescimento estrutural hoje, ela não só não é mais alta, como é mais baixa”, disse ele.

O presidente do BC argumentou que as projeções mais baixas de crescimento estrutural podem mostrar uma “interferência” dos últimos seis anos, que foram muito ruins, nas projeções. E afirmou que as surpresas positivas com o PIB podem responder às reformas. “Talvez esse crescimento seja o poder cumulativo das últimas reformas que foram feitas, e não estou falando no último governo, mas em vários”, disse.

Sobre o segundo trimestre, Campos Neto destacou que houve surpresas na agropecuária, consumo das famílias e indústria. Ele destacou que o forte crescimento do PIB agro no primeiro trimestre pode ter um efeito de “transbordamento”.

Campos Neto ainda afirmou que o último dado de inflação foi maior que o esperado, mas que a inflação de serviços se manteve em tendência gradual de desaceleração. Em contrapartida, os outros itens tiveram desempenho pior do que o esperado.