Mundo
Leucemia

Ex-primeiro-ministro da Itália morre aos 86 anos

Berlusconi foi um dos políticos mais populares, longevos e polêmicos da Itália. Ele é o precursor do político populista que chega ao poder com um discurso antissistema.

Compartilhe:
12 de junho de 2023
Ex-primeiro-ministro da Itália morre aos 86 anos
Foto: Reuters

Silvio Berlusconi, o magnata da mídia que foi primeiro-ministro da Itália pelo período mais longo da história apesar de ser alvo constante de escândalos, morreu na segunda-feira, 12, aos 86 anos, de acordo com a mídia italiana. Ele morreu no hospital San Raffaele, em Milão, em decorrência de leucemia.
A Mediaset, rede de televisão de Berlusconi, anunciou a morte com uma foto sorridente do ex-premiê em seu site e a manchete: “Berlusconi está morto”.

Berlusconi foi hospitalizado na sexta-feira, 9, pela segunda vez em meses, para passar por uma série de exames de rotina relacionados com a leucemia da qual sofria. Nos últimos anos, ele também sofreu de doenças cardíacas e câncer de próstata, além de ter sido internado por covid-19, em 2020.

Segundo os meios de comunicação italianos, a morte ocorreu na manhã de segunda, pouco depois de os seus cinco filhos e o irmão de Berlusconi, Paolo, terem chegado ao hospital. Berlusconi foi um dos políticos mais populares, longevos e polêmicos da Itália. Ele é o precursor do político populista que chega ao poder com um discurso antissistema. Berlusconi ficou ao todo nove anos e um mês no cargo de primeiro-ministro, sendo o político que mais tempo comandou a Itália após a queda do regime fascista depois da 2ª Guerra Mundial (1939-45). “Sou o número um”, dizia ele.

Após uma série de escândalos sexuais, inúmeras alegações de corrupção e uma condenação por fraude fiscal, sua popularidade entrou em declínio e seu partido não conseguiu voltar ao poder. Mesmo assim, Berlusconi fez um retorno político em 2022, ao se eleger senador.

Ele também foi peça central para que a direitista Giorgia Meloni conseguisse formar uma coalizão e se tornar premiê, no ano passado. Desde 1994 na política, Berlusconi dominou a política de seu país durante duas décadas, apesar dos escândalos sexuais e processos judiciais que mancharam sua imagem. Para milhões de italianos, seu governo representa uma idade de ouro da economia italiana.

A sociedade financeira da família Berlusconi, a Fininvest, inclui canais de televisão, como a Mediaset e jornais. Apaixonado por futebol, ele também presidiu o Milan por 31 anos antes de vender o clube em 2017 para investidores chineses.

Sua primeira condenação ocorreu em agosto de 2013. A sentença de prisão de quatro anos por fraude fiscal – três dos quais foram abolidos por uma anistia – foi confirmada pelo Tribunal de Cassação. Ele cumpriu a sentença no ano seguinte, na forma de serviço comunitário.

Pai de cinco filhos de dois casamentos e avô de vários netos, o magnata voltou a se casar em 2020, com a ex-modelo Marta Fascina, de 33 anos, que foi eleita deputada pelo Força Itália no ano passado.
Berlusconi sofria de leucemia há algum tempo. Ele estava internado desde o fim da semana passada para realizar exames de rotina, mas seu estado de saúde piorou.

Para os admiradores, o ex-primeiro-ministro era um estadista carismático que buscava elevar a Itália no cenário mundial. Para os críticos, ele era um populista que ameaçava minar a democracia ao usar o poder político como uma ferramenta para enriquecer a si mesmo e a seus negócios.

Para além da controvérsia política, a vida pública de Berlusconi foi repleta de polêmicas. Festas “bunga bunga” envolvendo mulheres jovens e menores, ou seus negócios, que incluíam o time de futebol Milan, as três maiores redes privadas de TV do país, revistas e um jornal diário e empresas de publicidade e cinema aparecem na extensa lista de episódios que marcaram o ex-primeiro ministro italiano.

Berlusconi nasceu em Milão em 29 de setembro de 1936, filho de um banqueiro. Ele se formou em direito, escrevendo sua tese sobre publicidade. Abriu uma construtora aos 25 anos e construiu complexos de apartamentos para famílias de classe média nos arredores de Milão, parte de um boom do pós-guerra.
Mas sua riqueza astronômica veio da mídia. No final dos anos 1970 e 1980, ele contornou o monopólio da TV estatal da Itália, RAI, criando uma rede na qual as estações locais exibiam a mesma programação.

A RAI e sua Mediaset representavam cerca de 90% do mercado nacional em 2006. Berlusconi usou suas redes de televisão e sua imensa riqueza para lançar sua longa carreira política, inspirando lealdade e ódio.
À medida que Berlusconi envelheceu, foi virando alvo de piadas sobre seu bronzeado perpétuo, transplantes de cabelo e namoradas, que moravam com ele, décadas mais jovens – o que foi um dos pilares de sua vida polêmica. Em 2013, os convidados de uma de suas festas incluíam uma dançarina marroquina menor de idade, Ruby, da qual os promotores alegaram ter feito sexo com Berlusconi em troca de dinheiro e joias.

Após um julgamento temperado por detalhes chocantes, um tribunal de Milão inicialmente condenou Berlusconi de pagar por sexo com uma menor e usar seu escritório para tentar encobrir o caso. Ambos negaram ter feito sexo um com o outro e ele acabou sendo absolvido. A Igreja Católica, às vezes simpatizante de sua política conservadora, ficou escandalizada com suas ações, e sua esposa de quase 20 anos se divorciou dele, mas Berlusconi não se desculpou, declarando: “não sou santo”.

Em outra festa, os jornais italianos noticiaram que as mulheres estavam vestidas como “pequenos Papais Noéis”. Em outro, as fotos mostravam mulheres de topless e um homem nu descansando à beira da piscina. “Eu amo a vida! Eu amo mulheres!”, declarou Berlusconi, que ocasionalmente selecionava estrelas da TV para aparecer em suas festas. “Se eu não fosse casado, casaria com você imediatamente”, Berlusconi teria dito em 2007 a Mara Carfagna, que mais tarde se tornou uma ministra do Gabinete.

A então esposa de Berlusconi exigiu publicamente um pedido de desculpas. Berlusconi ainda foi apelidado de “Papi” – ou “Papai” – por uma aspirante a modelo cuja festa de aniversário de 18 anos ele compareceu, também para irritação de sua esposa. Mais tarde, a autodenominada acompanhante Patrizia D’Addario disse que passou a noite com ele na noite em que Barack Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos em 2008.

O ex-primeiro ministro ainda mantinha um forte laço de longa data com o presidente russo, Vladimir Putin. A proximidade entre ambos chegou a colocar Berlusconi contra Giorgia Meloni, uma firme defensora da Ucrânia.

Putin chegou a defender a gestão de seu amigo italiano e também criticou os processos judiciais contra ele, os quais relacionou ao fato de gostar muito de mulheres. “Se fosse homossexual, ninguém encostaria um dedo nele”, declarou Putin em 2013. Em seu aniversário de 86 anos, enquanto a guerra se alastrava, Putin enviou os melhores votos de Berlusconi e vodca, e o italiano se gabou de retribuir o favor enviando de volta vinho italiano.

Por sua parte, Berlusconi não hesitou em visitar a anexa da península ucraniana da Crimeia, o que fez com que fosse declarado “persona non grata” por Kiev. Além disso, no último mês de fevereiro, culpou o presidente ucraniano, Volodymir Zelenski, pela guerra e pediu sua rendição. “Teria bastado que deixasse de atacar as duas repúblicas autônomas de Donbass e isso não teria acontecido. É por isso que julgo o comportamento deste homem de forma muito negativa”, declarou.

No entanto, em abril de 2022, Berlusconi se mostrou “profundamente desapontado e magoado com o comportamento de Vladimir Putin, que assumiu uma responsabilidade muito grave perante o mundo inteiro”. “Estamos enfrentando uma agressão sem precedentes contra um país neutro que luta por sua liberdade”, afirmou durante um ato.

O presidente da Rússia lamentou publicamente a morte do ex-primeiro-ministro, afirmando que era uma “pessoa magnífica” e um “grande amigo do povo russo”. Berlusconi se dizia salvador da Itália do que descreveu como a ameaça comunista – anos após a queda do Muro de Berlim. Desde o início de sua carreira política, em 1994, ele se apresentou como alvo de um Judiciário que descreveu como repleto de simpatizantes da esquerda.