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STF suspende julgamento do marco temporal de terras indígenas

No entendimento do Moraes, o reconhecimento da posse de terras indígenas independe da existência de um marco temporal baseado na promulgação da Constituição de 1988.

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07 de junho de 2023
STF suspende julgamento do marco temporal de terras indígenas
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom - Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a suspender na quarta-feira (7) o julgamento do processo que trata da legalidade do marco temporal para demarcação de terras indígenas. A suspensão foi ocasionada por um pedido de vista do ministro André Mendonça. Pelas regras internas do STF, o caso deverá ser devolvido para julgamento em até 90 dias.

Antes do pedido de vista, o ministro Alexandre de Moraes votou contra a tese do marco temporal.

Com a manifestação de Moraes, o placar do julgamento está em 2 a 1 contra o marco. Em 2021, antes da interrupção do julgamento, o ministro Edson Fachin votou contra a tese, e Nunes Marques se manifestou a favor.

No entendimento do Moraes, o reconhecimento da posse de terras indígenas independe da existência de um marco temporal baseado na promulgação da Constituição de 1988.

Moraes citou o caso específico julgado pelo STF para justificar a ilegalidade do marco. O ministro lembrou que os indígenas Xokleng abandonaram suas terras em Santa Catarina devido a conflitos que ocasionaram o assassinato de 244 deles, em 1930. 

“Óbvio que, em 5 de outubro de 1988, eles não estavam lá, porque se estivessem, de 1930 a 1988, não teria sobrado nenhum. Será que é possível não reconhecer essa comunidade? Será que é possível ignorar totalmente essa comunidade indígena por não existir temporalidade entre o marco temporal e o esbulho saída das terras?, questionou.

Contudo, o ministro votou para garantir aos proprietários que possuem títulos de propriedades que estão localizadas em terras indígenas o direito de indenização integral para desapropriação.

Para o ministro, existem casos de pessoas que agiram de boa-fé e não tinham conhecimento sobre a existência de indígenas onde habitam.

“Quando reconhecido efetivamente que a terra tradicional é indígena, a indenização deve ser completa. A terra nua e todas benfeitorias. A culpa, omissão, o lapso foi do poder público”, completou.

No julgamento, os ministros discutem o chamado marco temporal. Pela tese, defendida por proprietários de terras, os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época.

O processo que motivou a discussão trata da disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da TI é questionada pela Procuradoria do estado.

Desde segunda-feira (5), indígenas de várias etnias acampam em Brasília para acompanhar o julgamento no Supremo.

“Estamos aguardando pelo julgamento do Marco Temporal com a esperança de que os ministros votem a nosso favor, paralisando a proposta de estabelecer um marco temporal para os processos demarcatórios das terras indígenas”, disse o cacique da aldeia Sauremuybu, de Itaituba (PA), Juarez Saw Munduruku.

À frente de uma delegação de 44 pessoas, na maioria, jovens estudantes, Juarez diz entender que, se aprovado, o Marco Temporal representaria “o fim” do tradicional modo de vida indígena e uma ameaça não só aos processos demarcatórios em curso, mas também aos territórios já homologados.

“Todo mundo cuja terra já foi reconhecida, mas não homologada, está preocupado. Sabemos que, em 1988, alguns povos não ocupavam as terras de seus antepassados porque foram expulsos e os governantes, apesar dos vestígios da presença indígena anterior, não reconhecem isso”, afirma Juarez.

“Nós, mundurukus, ocupávamos toda a área que vai de Belém a Santarém e que desce em direção ao extremo do Mato Grosso, mas com a invasão dos colonos, fomos sendo expulsos e só agora estamos retomando, reivindicando nosso território”, completou, assegurando que seu povo sofre com a pressão de garimpeiros e madeireiros que tentam avançar e se estabelecer em áreas reivindicadas pelos indígenas.

Liderança da aldeia Gorotire, em Cumaru do Norte, também no Pará, Sandro Takwyru Kayapó, viajou a Brasília com outros 26 indígenas. Como as demais fontes ouvidas pela reportagem, Sandro afirma que seu grupo está preparado para permanecer na capital federal até que o STF dê a palavra final sobre a constitucionalidade da tese do marco temporal.

“Sabemos que há uma pressão muito grande no Congresso Nacional, mas temos uma legislação que precisa ser levada em conta. Estou convencido de que os ministros vão dizer não ao marco temporal, pois ele é inconstitucional”, sustenta Sandro Kayapó, destacando que a história dos povos indígenas “não começa em 1988, nem sequer em 1500”.

“Esta questão é apenas para tentar tirar nossos direitos aos territórios, que são ancestrais, originários. Nenhum branco vai determinar o momento a partir do qual nós passamos ou deixamos de existir.”

Proveniente do sul da Bahia, região onde os primeiros europeus vindos com Pedro Álvares Cabral pisaram e onde vários indígenas foram assassinados ao longo do segundo semestre de 2022, o cacique Mãdy Pataxó também associou a tentativa de se estabelecer um marco temporal aos interesses de grupos econômicos.

“Nossa Bahia serviu de porta de entrada para os europeus. E de lá para cá, nossa fauna e flora, nossos recursos hídricos, foram destruídos. Isso significa destruir nossa carne, nosso sangue e nossa espiritualidade, que estão sendo prejudicados pelo agronegócio, pelo turismo predatório e pela especulação fundiária”, afirmou Mãdy, que chegou a Brasília na segunda-feira (5), com cerca de 50 representantes de três povos das regiões de Monte Pascoal, Olivença e Camacan.

“Não temos data prevista para voltar para casa. Nossa expectativa é saber o resultado da votação no STF. Enquanto não houver uma posição respeitosa aos povos indígenas, ou seja, enquanto não derrubarem esta proposta e houver algum avanço em relação à novas demarcações, não vamos sair daqui”, afirmou Mãdy.