Uma recente decisão da 2ª instância do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região evidencia a efetividade da resposta jurisdicional e a busca pela verdade dos fatos.
Imaginem que A tem uma grande dívida a ser paga em determinado processo, A tira todos os bens de seu nome, utilizando-se de outras pessoas como proprietárias oficialmente, mas continua a utilizar-se dos bens.
A Justiça do Trabalho entendeu pela penhora de veículo em nome de terceiro, pois era A quem utilizava e tinha a posse do bem de fato e era executado em processo trabalhista.
O veículo foi penhorado após ser localizado por um oficial de justiça na garagem do prédio onde a executada reside. Em resposta ao ato, a pessoa em cujo nome o veículo estava registrado ajuizou embargos de terceiro, alegando ter cedido o carro à executada por não ter condições de arcar com o custo da garagem.
Conforme o acordo alegado, a devedora trabalhista ficaria responsável pelas despesas de combustível, impostos e manutenção do veículo.
Contudo, esses embargos foram indeferidos no juízo de primeira instância.
Ao julgar o agravo de petição, a desembargadora-relatora Eliane Aparecida da Silva Pedroso ressaltou que o fato de um veículo estar registrado em nome de uma pessoa não garante que o bem lhe pertença, já que o domínio dos bens móveis se dá com a tradição, ou seja, com a entrega efetiva do objeto à outra pessoa. E, de acordo com os autos, a devedora na ação já exercia a posse do veículo havia cerca de um ano.
A relatora afirmou que “é possível a penhora de bem registrado em nome de terceiro, desde que comprovado que o executado exerce a posse e tem a efetiva propriedade”.
Ela acrescentou que o registro no Detran possui efeito meramente declaratório, “sendo consequência do negócio jurídico entabulado entre as partes, que se deu por acabado quando da entrega do veículo para a executada”.
A decisão surpreende a muitos, vez que é habitual a atitude de ocultar bens quando há dívidas judiciais.
Além disso, a penhora de veículo em nome de terceiro é mais difícil de ocorrer, pois a pesquisa pela ferramenta eletrônica RENAJUD (convênio entre o DENATRAN e o Poder Judiciário para consulta e cumprimento de ordens judiciais on line) indica apenas os veículos em registrados em nome da pessoa pesquisada.
O Código de Trânsito Brasileiro impõe o dever de o registro do veículo no DETRAN estar em nome do proprietário do bem, o que leva muitos operadores do direito a acreditarem que é por meio do registro no DETRAN que se transfere a propriedade.
Há quem defenda a tese de que a transferência de propriedade dos veículos automotores se dá somente após a alteração do registro no DETRAN. Porém, como todo e qualquer bem móvel, a transferência da propriedade de veículos se dá pela sua entrega ao adquirente, denominada de tradição, nos termos dos artigos 1.226 e 1.267 do Código Civil, os quais estabelecem, respectivamente: “Art. 1.226. Os direitos reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com a tradição.” “Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição. Parágrafo único. Subentende-se a tradição quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório; quando cede ao adquirente o direito à restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro; ou quando o adquirente já está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico.”
Nesse sentido, o STJ vem entendendo que o domínio de bens móveis se transfere pela tradição, ainda que se trate de veículo.
Suellen Escariz – Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra, servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – Instagram