Cesar Fueta
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Direito empresarial

Validade jurídica de assinaturas eletrônicas fora do sistema ICP-Brasil

A decisão da Terceira Turma, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, traz segurança quanto à forma como documentos eletrônicos são tratados no Brasil.

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15 de outubro de 2024
Vinicius Palermo
Validade jurídica de assinaturas eletrônicas fora do sistema ICP-Brasil
O processo analisado pelo STJ teve origem em uma ação de busca e apreensão ajuizada por um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios.

Em uma decisão importante para advogados e empresários, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a validade de assinaturas eletrônicas realizadas fora da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), conforme previsão da Medida Provisória (MP) 2.200-2/2001. A decisão da Terceira Turma, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, traz segurança quanto à forma como documentos eletrônicos são tratados no Brasil. Trata-se de decisão que fortalece a aceitação de assinaturas eletrônicas avançadas em plataformas privadas, oferece maior flexibilidade nas transações comerciais e reduz a burocracia nos negócios. Neste artigo vamos entender melhor o caso.

O processo analisado pelo STJ teve origem em uma ação de busca e apreensão ajuizada por um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios. A cédula de crédito bancário utilizada no processo foi assinada eletronicamente por meio da plataforma Clicksign, uma entidade privada de autenticação não credenciada pela ICP-Brasil. A ação havia sido extinta porque a assinatura eletrônica do contrato não havia sido realizada com um certificado digital emitida pelo ICP-Brasil. O entendimento que estava prevalecendo era de que a assinatura por meio da Clicksign não seria suficientemente segura para garantir a autenticidade e evitar fraudes. 

O ponto central da controvérsia, portanto, girou em torno da validade jurídica de assinaturas eletrônicas realizadas por entidades privadas que não fazem parte da ICP-Brasil. A decisão do STJ reformou a decisão do Tribunal de origem e determinou o prosseguimento da ação de busca e apreensão. Isso porque a assinatura eletrônica foi considerada válida. Segundo o entendimento do STJ, assinaturas eletrônicas realizadas em plataformas privadas, como a Clicksign, são juridicamente válidas, desde que as partes concordem em assinar por este meio e que seja assegurada a autenticidade e integridade da assinatura eletrônica no contrato.

A verdade é que a decisão do STJ confirma o que já estava previsto desde 2001 pela MP 2.200-2/2001, que regula a validade jurídica de documentos eletrônicos no Brasil. O artigo 10 da referida medida estabelece que assinaturas digitais certificadas pelo sistema ICP-Brasil presumem-se verdadeiras em relação aos signatários. Além disso, o parágrafo segundo do mesmo artigo permite a utilização de outras formas de comprovação da autoria e integridade de documentos eletrônicos, desde que aceitas pelas partes.

A MP 2.200-2/2001 foi editada em um período de transição tecnológica, com o intuito de facilitar o uso de documentos eletrônicos em transações comerciais e jurídicas, sem modificar as regras aplicáveis aos documentos físicos. Na prática, isso significa que o legislador brasileiro já havia previsto desde 2001 a possibilidade de que as partes envolvidas em transações eletrônicas pudessem optar por métodos alternativos de assinatura e autenticação, mesmo que fora do sistema ICP-Brasil.

Neste tópico, convém esclarecer que a legislação brasileira prevê diferentes níveis de segurança e força probatória para as assinaturas eletrônicas, classificados em três modalidades principais: a simples, a avançada e a qualificada. 

No caso da assinatura eletrônica simples, a identificação do signatário é feita por meio de dados simples, como um login e senha. Não há garantias sobre a autenticidade do documento ou a integridade da assinatura. Já a assinatura eletrônica avançada utiliza mecanismos mais sofisticados de autenticação, como múltiplos fatores (senha, códigos enviados via SMS, biometria, etc.), e oferece maior segurança, embora não seja certificada pela ICP-Brasil. Essa foi a modalidade utilizada no caso analisado pelo STJ, através da plataforma Clicksign. Por fim, a assinatura eletrônica qualificada é aquela certificada pelo sistema ICP-Brasil, equiparada à assinatura manuscrita, com presunção absoluta de autoria e integridade. Essa modalidade oferece o mais alto nível de segurança.

É relevante observar que o aspecto técnico de controle de autenticidade e integridade das assinaturas eletrônicas também foi tratado na decisão do STJ. Para garantir que um documento e a assinatura eletrônica não sejam alterados após sua emissão, utiliza-se uma tecnologia chamada “função hash”, que gera uma espécie de “impressão digital” do documento.

A função hash mais utilizada atualmente é a SHA-256, que assegura que qualquer modificação no conteúdo do documento ou da assinatura resulte em uma alteração significativa no código gerado, tornando perceptível qualquer tentativa de adulteração.

No caso apreciado pelo STJ, o relatório técnico mostrou que a cédula de crédito bancário foi assinada eletronicamente e submetida a múltiplos fatores de autenticação (e-mail, telefone celular, CPF, entre outros), o que garantiu a integridade do documento durante todo o processo de assinatura.

A decisão do STJ não nega que a assinatura eletrônica qualificada, certificada pelo ICP-Brasil, oferece maior força probatória. Porém, o Superior Tribunal de Justiça reafirma que as assinaturas avançadas, mesmo fora do sistema oficial, possuem validade jurídica, sendo responsabilidade das partes envolvidas escolher o método de assinatura que consideram mais apropriado para a transação em questão. Portanto, é fundamental que haja cláusula contratual em que as partes concordam com a utilização desta forma de assinatura eletrônica.

A decisão proferida pelo STJ é muito bem-vinda no meio jurídico e empresarial, pois reflete uma evolução jurisprudencial no reconhecimento da validade de documentos e assinaturas eletrônicas no Brasil. Nos últimos anos, o tribunal tem progressivamente flexibilizado as exigências tradicionais de formalidade, como a assinatura manuscrita, em favor de novas formas de autenticação, compatíveis com a era digital.

Embora a assinatura qualificada pelo ICP-Brasil continue sendo a modalidade com maior força probatória, a possibilidade de utilizar outras formas de autenticação reforça a autonomia privada e facilita as transações eletrônicas no Brasil, mantendo padrões adequados de segurança e confiabilidade, reduzindo os custos de transação nos negócios empresariais.