Este artigo aborda a possibilidade de regularização da propriedade por meio da usucapião, especialmente em casos de imóveis nos quais o falecido detinha apenas a posse, e não a propriedade formal.
O conceito de usucapião é essencial no direito brasileiro, pois permite que indivíduos que exercem a posse contínua e pacífica de um imóvel possam, eventualmente, adquirir a propriedade legal sobre ele. A usucapião é, portanto, uma forma de aquisição da propriedade de um bem, móvel ou imóvel, pela posse prolongada e ininterrupta.
Existem diferentes tipos de usucapião, que veremos ao longo do artigo e que variam conforme o tempo, a natureza e as condições da posse. Isso é particularmente relevante em casos onde os imóveis não foram devidamente registrados ou onde há disputas de propriedade após um prolongado período de posse por uma das partes.
Na compra e venda de imóveis, a validade do negócio depende do registro no Cartório de Registro de Imóveis (RGI). Sem esse registro, o proprietário anterior continua sendo considerado dono perante terceiros, mesmo que haja uma promessa de compra e venda. Imóveis não registrados no RGI são considerados irregulares. Essa irregularidade pode gerar inúmeras complicações jurídicas, especialmente quando o suposto novo proprietário falece sem que o imóvel esteja registrado em seu nome.
Agora, imagine a seguinte situação: João residia em um imóvel há mais de 20 anos sem que esse imóvel fosse de sua propriedade. João veio a falecer, e seus filhos continuaram a residir no mesmo imóvel. Anos depois, José, o proprietário do imóvel no RGI, também faleceu. Nesse caso, a quem pertence o bem? E quem deve fazer o inventário do imóvel?
Como é sabido, o inventário serve para regularizar a transferência dos bens do falecido aos herdeiros. No caso mencionado, José tinha a propriedade do imóvel, pois o registro estava em seu nome no RGI, mas João detinha a posse. Tanto a propriedade quanto a posse podem ser inventariadas. Os herdeiros de João farão o inventário da posse, enquanto os herdeiros de José terão que fazer o inventário da propriedade.
Mas, e o usucapião? Nesse caso específico, caso os herdeiros entrem em conflito e decidam disputar a propriedade do bem, caberá aos herdeiros de João, após o inventário do tempo de posse do pai sobre o imóvel, requererem a usucapião. Comprovado que, de fato, exerceram a posse e cumpriram os demais requisitos da usucapião, a propriedade será dos herdeiros de João, que terão direito à regularização e ao registro no RGI. Os herdeiros de José, por sua vez, perderão a propriedade por não terem exercido a função social da propriedade.
Ou seja, o proprietário do bem, no caso, um imóvel, deve exercer seus direitos de proprietário e não abandonar o bem, sob pena de outra pessoa fazê-lo em seu lugar. Nesse último caso, a pessoa que passa a exercer o papel do proprietário é aquela que detém a posse do bem e, cumprindo os requisitos legais, adquire o direito de usucapir o bem em questão.
Outro caso bastante comum de usucapião ocorre quando um dos irmãos passa a residir no bem imóvel a ser herdado, enquanto os outros herdeiros não abrem inventário ou não se opõem à moradia de um dos herdeiros no imóvel. Sabemos que a posse exercida de forma mansa, pacífica e ininterrupta é uma das formas de aquisição da propriedade do bem por usucapião.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu em favor de um dos herdeiros, permitindo que herdeiros que detêm a posse exclusiva de um imóvel possam regularizar sua propriedade através da usucapião. Isso significa que, se um herdeiro estiver em posse contínua e exclusiva do imóvel, ele pode buscar a usucapião para adquirir a propriedade legal, evitando assim as complicações que podem surgir durante o processo de inventário.
Ou seja, nesse caso, o herdeiro não precisará iniciar uma ação de inventário, mas, dependendo do tempo em que está com a posse do imóvel, poderá recorrer diretamente à usucapião.
Esse é um clássico exemplo de quando a usucapião é utilizada em vez do inventário, sendo um alerta para que os herdeiros exerçam a função social da propriedade. Dito isso, concluímos que a usucapião é uma alternativa para regularizar imóveis. Para que seja viável, é necessário cumprir requisitos legais, como tempo de posse, boa-fé do possuidor e inexistência de oposição por parte do proprietário registral.
A usucapião pode ser judicial ou extrajudicial, sendo esta última uma opção mais rápida e menos onerosa, desde que preenchidos todos os requisitos legais e não haja oposição.
Existem diferentes tipos de usucapião, todos com três requisitos em comum: posse com intenção de ser dono (animus domini), inexistência de oposição à posse e posse ininterrupta por um período de tempo. Os principais tipos de usucapião de bens imóveis urbanos são:
Usucapião Ordinária: Conforme o Art. 1.242 do Código Civil, exige a posse contínua e incontestada por dez anos, reduzidos a cinco se houver título de propriedade e boa-fé.
Usucapião Extraordinária: Prevista no Art. 1.238 do Código Civil, permite a aquisição de propriedade após quinze anos de posse contínua e pacífica, podendo ser reduzida para dez anos se o possuidor tiver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Usucapião Especial Urbana: Regulada pelo Art. 1.240 do Código Civil e Art. 9º da Lei 10.257/2001, exige a posse de área urbana de até 250m² por cinco anos, utilizada para moradia própria ou de sua família, sem oposição e sem ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
A escolha entre os tipos de usucapião depende de fatores específicos de cada caso. Diferente do inventário, é uma forma de adquirir a propriedade sem pagamento de tributos, como o ITBI, que incide em caso de compra e venda, ou o ITCMD, em caso de transferência de propriedade por herança ou doação.
Dessa forma, a usucapião pode ser uma alternativa legal mais direta e rápida para a regularização da propriedade, permitindo a regularização de imóveis nos quais há posse de forma contínua e pacífica, sem que haja propriedade registrada.
Podemos, portanto, concluir que a regularização da posse de imóveis envolve desafios legais significativos. A escolha entre usucapião e inventário dependerá do cumprimento dos requisitos específicos de cada caso. Consultar um advogado especializado é fundamental para orientar sobre a melhor estratégia para garantir a segurança jurídica da transação e a regularização do imóvel.