Cesar Fueta
Cesar Fueta
Direito empresarial

Os riscos tributários na terceirização ilícita

Uma recente decisão do STJ no Recurso Especial nº 1652347/SC trouxe à tona questões tributárias envolvidas nas terceirizações.

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12 de novembro de 2024
Vinicius Palermo
Os riscos tributários na terceirização ilícita
A decisão do STJ apresentou critérios objetivos para identificar situações em que a terceirização pode ser considerada irregular sob o ponto de vista tributário.

Normalmente, a terceirização das atividades empresariais direciona o foco principal dos empresários para os reflexos na seara trabalhista. No entanto, uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 1652347/SC trouxe à tona questões tributárias envolvidas nas terceirizações. Neste artigo, vamos analisar o caso apreciado pelo STJ reforçando a necessária atenção dos empreendedores para as repercussões fiscais da terceirização.

O caso que originou a decisão do STJ envolveu uma indústria têxtil de Santa Catarina, autuada pela Receita Federal em razão do não recolhimento de contribuições previdenciárias referentes a trabalhadores formalmente vinculados a empresas prestadoras de serviços. Segundo o Fisco, tais empresas eram apenas uma fachada, e foram criadas com o intuito principal de reduzir a carga tributária. Como consequência, foram cobrados tributos diretamente da tomadora dos serviços. Essa interpretação, confirmada pelo STJ, reforça a possibilidade de desconsideração de estruturas de terceirização consideradas simuladas, o que expõe as empresas a severos riscos tributários, mesmo quando contratos aparentam estar formalmente em ordem. Para melhor compreensão dos fatos, é importante verificarmos como se deu essa dinâmica societária.

O trâmite de formação dessas empresas começava com a demissão de funcionários estratégicos da empresa principal. Estes funcionários, geralmente ocupantes de cargos de gestão ou supervisão, eram rapidamente transformados em sócios das empresas terceirizadas, supostamente independentes e que prestavam serviços exclusivamente à tomadora de serviços. Em alguns casos, a demissão e a constituição da nova empresa aconteciam com poucos dias de intervalo, deixando clara a natureza coordenada da operação.

A estrutura societária dessas terceirizadas apresentava um padrão: diretores da empresa tomadora de serviços figuravam como sócios majoritários de algumas delas, enquanto sócios minoritários, geralmente ex-funcionários, exerciam funções de supervisão dos empregados. Esta configuração permitia manter o controle efetivo das operações nas mãos da empresa tomadora de serviços, enquanto formalmente aparentavam ser negócios independentes.

Ademais, as empresas terceirizadas operavam com capital social notadamente incompatível com suas atividades – algumas com apenas R$ 3.000,00 ou R$ 10.000,00 – e utilizavam infraestrutura, equipamentos e até mesmo pessoal administrativo da empresa tomadora de serviços.

A gestão administrativa das empresas terceirizadas revelava uma centralização incompatível com a alegada independência. Documentos trabalhistas, incluindo contratos e rescisões, eram assinados por funcionários da empresa tomadora de serviços. O mesmo ocorria com guias de recolhimento tributário. A contabilidade era centralizada, e a administração de pessoal era efetivamente controlada pela tomadora de serviços, demonstrando uma evidente confusão operacional entre as empresas.

No campo financeiro, as inconsistências eram igualmente evidentes. A remuneração dos sócios seguia padrões que sugeriam mais uma complementação salarial disfarçada do que uma real distribuição de resultados empresariais.

O objetivo principal deste modelo, segundo consta na decisão do STJ, era permitir o enquadramento das terceirizadas no Simples Nacional, regime tributário mais favorável, enquanto na prática todas operavam como uma única organização empresarial. A exclusividade na prestação de serviços a uma única prestadora de serviços, aliada à completa dependência operacional e financeira, não deixa dúvidas quanto à ausência de autonomia empresarial real destas empresas terceirizadas.

Esta estrutura não apenas afetava a arrecadação previdenciária, mas também criava uma concorrência desleal com empresas que operavam dentro da legalidade.

A decisão do STJ apresentou critérios objetivos para identificar situações em que a terceirização pode ser considerada irregular sob o ponto de vista tributário. Alguns aspectos que passaram a ser avaliados com maior rigor incluem a dependência econômica exclusiva das empresas prestadoras em relação à tomadora, a falta de estrutura própria adequada das terceirizadas, e o controle direto da empresa contratante sobre as atividades dos funcionários terceirizados. Além disso, a presença de ex-empregados da tomadora como sócios ou gestores das prestadoras de serviços é vista como indício de tentativa de ocultar vínculos empregatícios diretos.

O resultado do processo judicial trouxe graves consequências à empresa tomadora de serviços ao confirmar que ela é a devedora das contribuições previdenciárias retroativas. Afinal, os funcionários das terceirizadas foram considerados empregados diretos da tomadora. Isso significa que, além do valor principal devido, a empresa pode ser responsabilizada pelo pagamento de multas e juros, multiplicando significativamente o passivo tributário. Tal cenário impõe às empresas uma necessidade urgente de revisar suas práticas de terceirização, avaliando com cautela não apenas a documentação formal, mas também a realidade das operações das prestadoras.

Certo é que a terceirização jamais pode servir como uma ferramenta para esconder uma relação de emprego. A escolha de prestadores de serviço deve levar em conta sua capacidade operacional, estrutura financeira e existência de outros clientes, o que demonstra maior autonomia e legitimidade. A documentação que embasa a relação comercial deve ser sólida e acompanhada por registros detalhados das transações e das atividades realizadas. Contratos bem redigidos são importantes, mas insuficientes se não acompanhados por evidências concretas de autonomia operacional dos prestadores de serviço. A realidade sempre vai se sobrepor a qualquer estrutura jurídica que pretenda fraudar o Fisco ou os direitos trabalhistas.

Em última análise, a decisão do STJ é extremamente relevante para os empreendedores, na medida em que reitera a importância da utilização da terceirização de forma correta pelas empresas. Nenhuma engenharia societária é capaz de legitimar uma fraude nas relações de emprego, e as empresas que insistirem em utilizar a terceirização de forma ilícita correm riscos financeiros significativos, tanto no âmbito trabalhista como também no aspecto tributário.