A história da humanidade demonstra que ao longo dos séculos, a relação de uma pessoa com sua forma de subsistência enfrentou grandes mudanças.
No passado, talvez não houvesse espaço para tais pensamentos, a necessidade de sobrevivência era o que ditava as regras, e havendo emprego e maneira de suprir as necessidades básicas, estava tudo bem.
Com o passar do tempo e com as mudanças sociais na forma de ganhar o sustento e, principalmente, na forma de viver, na limitação das horas trabalhadas, no reconhecimento de diversos direitos fundamentais e sociais, o ser humano passou a vislumbrar o trabalho como parte da vida e não como a única coisa a fazer.
A criação de novos produtos e necessidades pela sociedade do consumo contribuiu para mudanças estruturais que levaram a sociedade a buscar mais qualificação e empregos com melhores salários. Operou-se, em parte, uma inversão de prioridades, e muitas pessoas passaram a se dedicar mais e mais horas ao trabalho em busca de mudanças sociais através de riquezas ou em muitos casos, apenas para alcançar melhores oportunidades.
Uma pesquisa recente do Ministério do Trabalho evidencia uma noção já perceptível de mudança. Aumentou o número de pessoas mais preocupadas com a qualidade de vida do que com o salário. Cada vez mais é comum ver casos de pessoas que abriram mão de um salário mais alto para alcançar mais saúde, mais qualidade de vida e até mesmo mais reconhecimento no trabalho desempenhado.
Um salário mais alto é a grande motivação para que milhões de empregados com carteira assinada peçam demissão em número recorde no mercado formal de trabalho do Brasil. Mas dinheiro não é tudo. A busca por reconhecimento, menos estresse, um chefe com quem se relacionar melhor e até encontrar uma empresa com valores mais alinhados aos seus estão na lista de motivos dos que pedem dispensa.
No ano passado, 7,4 milhões pediram para sair de seus empregos -quase 2 milhões a mais do que o registrado no período anterior de alta mobilidade, no início da década de 2010, por exemplo.
Neste ano, o movimento segue forte. Já foram 4,3 milhões de pedidos de desligamento de janeiro a junho, uma alta de 14%. Mantido o ritmo, o ano pode terminar com novo recorde.
A pesquisa coletou informações entre trabalhadores que pediram demissão de novembro de 2023 a abril de 2024. O instrumento para fazer o levantamento foi a Carteira de Trabalho Digital, que vem substituindo a de papel e tem várias funcionalidades.
Cerca de 70 mil trabalhadores responderam ao questionário. Nem todos, porém, admitiram o pedido de demissão, apesar de ele estar registrado na base do Caged. Desse total, 53,7 mil confirmaram a solicitação de dispensa. “O principal gatilho do trabalhador para pedir demissão é a percepção de que o seu salário é baixo naquela empresa, e ele pode conseguir um valor maior em outra”, explica a subsecretaria de Estatísticas e Estudos do Trabalho, do MTE, Paula Montagner.
Apesar disso, nem todos que pediram demissão conseguiram um salário mais alto, boa parte desses trabalhadores já tinham outro emprego em vista.
No entanto, a sondagem captou que há um debate social em curso, pois um número expressivo sinalizou que saiu porque sentiu necessidade de ser valorizado, respeitado, ou seja, agora, há mais complexidade nas relações de trabalho do que se via anos atrás.
Do total, 16,2% disseram que preferiram sair porque tinham problemas com a chefia imediata, 24,5% alegaram problemas éticos com a forma de trabalho da empresa e 24,7% indicaram que seu trabalho não era reconhecido. Esse nível de insatisfação foi maior entre jovens e mulheres, mas foi manifestado em todos os segmentos.
Um número relevante, 23%, declarou à sondagem que pediu demissão porque estava adoecendo mentalmente com o estresse do trabalho, com destaque para jovens -26% dos trabalhadores de 18 a 24 anos, e 25% dos com 25 a 29 anos.
Um mercado aquecido por oportunidades também é um incentivo a mudanças possíveis. Fato é que cada vez mais as pessoas procuraram desempenhar o seu labor em um ambiente mais saudável e que garanta melhores condições de desenvolvimento pessoal e profissional.
Suellen Escariz – Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra, servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – Instagram