Cesar Fueta
Cesar Fueta
Direito empresarial

O papel do Judiciário na exclusão de conteúdos em plataformas de e-commerce

A decisão do STJ afirmou que não é razoável exigir que plataformas como o Mercado Livre realizem uma fiscalização prévia de todos os produtos comercializados em seu site.

Compartilhe:
17 de setembro de 2024
O papel do Judiciário na exclusão de conteúdos em plataformas de e-commerce
Foto: Divulgação

O e-commerce no Brasil faturou em 2023 o total de R$ 185,7 bilhões, segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico e a previsão para 2024 é que estes valores cheguem a R$ 205,11 bilhões. O constante crescimento do comércio eletrônico nos últimos anos trouxe também uma série de questões jurídicas sobre a responsabilidade das plataformas que atuam como intermediadoras de transações comerciais online, surgindo debates sobre o papel dessas plataformas na moderação de conteúdos publicados por terceiros, especialmente em casos de violação de regras ou termos de uso. Recentemente, o tema ganhou relevância diante da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que analisou a responsabilidade do Mercado Livre em relação à exclusão de anúncios considerados irregulares. Trataremos deste tema no presente artigo.

O caso que o STJ analisou refere-se a uma empresa de comércio de colchões que notificou extrajudicialmente o Mercado Livre, solicitando a remoção de anúncios de colchões magnéticos oferecidos por outros vendedores, alegando que esses produtos não possuíam a certificação do INMETRO, conforme exigido pelos termos de uso da plataforma. A empresa alegou que os anúncios violavam as regras do Mercado Livre e afetava negativamente sua operação comercial. O Mercado Livre não removeu os anúncios, o que resultou no ajuizamento de uma ação judicial para forçar a exclusão dos produtos anunciados e pleitear indenização por danos materiais e morais.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) acolheu o pedido da empresa, entendendo que a plataforma teria a obrigação de remover os anúncios por violação dos termos de uso. O Mercado Livre recorreu ao STJ, que reformou a decisão do TJRJ. O STJ decidiu que, salvo exceções previstas em lei, as plataformas de comércio eletrônico não têm a obrigação de excluir publicações realizadas por terceiros, mesmo em caso de notificação extrajudicial.

A decisão do STJ está fundamentada no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que estabelece as diretrizes sobre a responsabilidade dos provedores de aplicações de internet, categoria na qual se incluem plataformas como o Mercado Livre. O artigo 19 dessa lei é claro ao afirmar que, em regra, os provedores de aplicações somente podem ser responsabilizados por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros após o desatendimento de uma ordem judicial específica.

Portanto, na ausência de uma decisão judicial, o provedor não é obrigado a remover conteúdo publicado por terceiros, mesmo que este conteúdo seja alegadamente ilícito ou esteja em desacordo com os termos de uso da plataforma. O objetivo dessa norma é garantir um equilíbrio entre a liberdade de expressão e a responsabilidade das plataformas, evitando censuras ou remoções indevidas e prematuras de conteúdo.

No caso do Mercado Livre, a decisão do STJ destacou que os termos de uso, embora configurem um contrato de adesão e determinem regras sobre as condutas permitidas na plataforma, não criam uma obrigação legal para a exclusão imediata de conteúdo apenas com base em uma notificação extrajudicial. A remoção de conteúdo, nesse contexto, só seria exigível mediante uma ordem judicial.

É importante destacarmos, no entanto, que o Marco Civil da Internet prevê duas exceções à regra geral de que a remoção de conteúdo só ocorre mediante decisão judicial: violação de direitos autorais e divulgação de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando publicadas sem autorização de seus participantes. Nestes casos, a notificação extrajudicial, se não atendida, pode acarretar a responsabilidade dos provedores de aplicação de internet.

Além dessas duas exceções, a lei não impõe ao provedor de aplicações o dever de monitorar preventivamente todo o conteúdo publicado por terceiros em suas plataformas, o que seria impossível e poderia abrir margem para censura indevida. A decisão do STJ afirmou que não é razoável exigir que plataformas como o Mercado Livre realizem uma fiscalização prévia de todos os produtos comercializados em seu site. Tal atividade extrapolaria as funções do serviço prestado pela plataforma e inviabilizaria o próprio modelo de negócios do comércio eletrônico.

Outro ponto relevante da decisão foi a consideração de que, nos casos em que o conteúdo não ofende diretamente direitos da personalidade, mas viola os termos de uso da plataforma, é necessário garantir aos anunciantes o direito ao contraditório antes da exclusão de seus anúncios. Trata-se de consagrar o princípio constitucional da ampla defesa, evitando que um usuário seja prejudicado sem ter a oportunidade de apresentar sua versão dos fatos.

No processo julgado pelo STJ, os anúncios de colchões não certificados pelo INMETRO não envolviam uma violação a direitos de personalidade, como ofensa à honra ou à imagem, mas sim uma alegada violação das regras técnicas estabelecidas pelos termos de uso da plataforma. Assim, a remoção imediata dos anúncios sem que os vendedores pudessem se defender violaria o direito ao contraditório.

Em conclusão, a decisão do STJ reitera a importância do Marco Civil da Internet como a atual norma que regulamenta a responsabilidade das plataformas digitais pelos conteúdos ali divulgados. Além disso, o julgamento deixou claro que a violação de termos de uso, por si só, não justifica a exclusão de conteúdo, cabendo ao Judiciário, em regra, avaliar a necessidade de remoção.