A inteligência artificial (IA) está no centro das atenções não apenas quando o assunto é tecnologia, mas também no mundo jurídico. No Brasil, duas notícias recentes destacam essa tendência: a aprovação da proposta governamental denominada “Plano IA para o Bem de Todos”, como um importante marco estratégico para posicionar o Brasil como líder em IA, e as diretrizes do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre o uso ético da IA generativa na advocacia. Ambos trazem relevantes diretrizes sobre a aplicação da IA na área jurídica. Neste artigo, vamos analisar estes movimentos recentes que envolvem a inteligência artificial e seus principais pontos sob a ótica jurídica.
O “Plano IA para o Bem de Todos” apresenta um amplo panorama para a IA no Brasil, destacando sua aplicação em setores estratégicos como saúde, educação e, especialmente, serviços públicos. A advocacia naturalmente também é diretamente impactada. Nesse sentido, a OAB emitiu recomendação que estabelece critérios para o uso da IA generativa, com o objetivo de gerenciar riscos e orientar os advogados quanto à sua aplicação responsável.
A aprovação da proposta da IA para o Brasil e a iniciativa da OAB em estabelecer recomendações sobre a aplicação da IA generativa para os advogados refletem a preocupação em alinhar inovação e ética. Quando falamos da advocacia tal equilíbrio é ainda mais desafiador, principalmente diante do formalismo do Direito, intrinsecamente repleto de liturgias e tradições.
Um dos principais pontos trazidos tanto pelo plano nacional como na recomendação da OAB é a ênfase na ética e na confidencialidade. O “Plano IA para o Bem de Todos” reconhece que a confiança pública é essencial para o sucesso da tecnologia, propondo marcos regulatórios que assegurem a privacidade e a segurança dos dados. Da mesma forma, a OAB destaca a confidencialidade como elemento central da prática advocatícia, conforme previsto no Código de Ética e na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Os advogados que utilizam a IA generativa devem adotar medidas rigorosas para proteger informações sensíveis de seus clientes. Isso inclui selecionar ferramentas seguras, garantir que os dados inseridos não sejam usados para treinamento do sistema e realizar a curadoria das respostas, ou seja, revisões humanas antes de apresentar informações geradas por IA nos documentos jurídicos.
Tanto a proposta de IA para o Brasil quanto as diretrizes da OAB apontam para a necessidade de capacitação como elemento primordial para a adoção responsável da IA. O plano nacional prevê investimentos em programas educacionais e iniciativas voltadas para a alfabetização tecnológica. Na advocacia, isso se traduz em treinamentos contínuos, permitindo que advogados compreendam as capacidades e limitações das ferramentas de IA. A literacia digital é, portanto, visto como uma questão fundamental para a sociedade.
Essa capacitação não é apenas técnica – é também uma questão de inclusão. O ” Plano IA para o Bem de Todos” busca democratizar o acesso à tecnologia, garantindo que diferentes regiões e segmentos da população se beneficiem das inovações. No âmbito jurídico, isso significa que escritórios de todos os portes, de grandes sociedades a profissionais autônomos, devem ter acesso a ferramentas e treinamentos.
Um dos pontos que também merece destaque é a necessidade de regulamentar o uso da IA generativa de forma que não substitua o julgamento humano. O plano nacional e a recomendação da OAB reconhecem que a IA pode otimizar tarefas, como análise de documentos e busca de jurisprudência, mas alertam para os riscos da dependência excessiva dessas ferramentas, bem como para a inafastável supervisão humana.
A recomendação da OAB, por exemplo, estabelece que advogados devem revisar integralmente saídas geradas por IA antes de utilizá-las, garantindo que erros factuais ou jurídicos não comprometam a qualidade do trabalho. Já o plano nacional indica que o Brasil deve liderar a construção de tecnologias responsáveis, que respeitem os valores democráticos e a integridade das informações. Ambos os documentos reforçam que a IA deve ser uma ferramenta para o exercício profissional, sem jamais substituir a atuação e a apreciação humana acerca das decisões tomadas com auxílio dessa tecnologia.
Outro aspecto importante abordado nas diretrizes da OAB é a transparência na relação advogado-cliente. A IA, especialmente a generativa, não pode ser utilizada sem o consentimento expresso do cliente. Isso implica informar de forma clara os benefícios, limitações e riscos da tecnologia, garantindo que o cliente concorde com seu uso.
No contexto mais amplo do plano nacional, essa exigência se alinha com o princípio de governança participativa, que enfatiza a inclusão de diversos atores sociais na construção e na aplicação de soluções tecnológicas. Tal medida fortalece a confiança e legitima o uso da IA como ferramenta de transformação.
Um dos eixos do “Plano IA para o Bem de Todos” é o apoio ao processo regulatório, destacando a criação de marcos normativos para garantir que a IA seja utilizada de maneira ética e responsável. Nesse ponto, está em tramitação o Projeto de Lei 2.338 de 2023, que visa a regular a IA no Brasil.
Nesse cenário, as diretrizes da OAB servem como um modelo de regulamentação setorial, demonstrando como a IA pode ser integrada ao exercício profissional moderno, sem comprometer seus valores fundamentais. Certo é que a experiência da advocacia no uso ético da tecnologia pode inspirar outros setores a adotar práticas similares, promovendo uma cultura de inovação responsável.
Convém destacar, porém, que o plano nacional e a recomendação da OAB também apresentam desafios que demandam atenção. Como ressaltado, não só a dependência excessiva de tecnologias de IA, mas também a falta de regulamentação robusta e a necessidade de infraestrutura tecnológica adequada são questões que afetam diretamente toda a sociedade.
A advocacia tem a oportunidade de ser pioneira e liderar a integração da inteligência artificial nas profissões, estabelecendo padrões que sirvam de referência para outros setores da comunidade brasileira. Com uma regulamentação eficiente, capacitação adequada e compromisso com a inclusão, a IA pode se tornar a chave para transformar a sociedade e a economia do nosso país.