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Lula diz que planeta está farto de acordos climáticos não cumpridos

Lula criticou o negacionismo do aquecimento global e ressaltou que 2024 caminha para ser o ano mais quente da história moderna.

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25 de setembro de 2024
Vinicius Palermo
Lula diz que planeta está farto de acordos climáticos não cumpridos
O presidente Lula em discurso na ONU.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse na terça-feira, 24, que o planeta está “farto” de acordos climáticos que não são cumpridos e de metas de redução das emissões de carbono que são “negligenciadas”. As declarações foram dadas durante a abertura do Debate Geral da 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em Nova York.

Pela tradição, todos os anos o presidente brasileiro é a primeira autoridade estrangeira a discursar no evento. Lula criticou o negacionismo do aquecimento global e ressaltou que 2024 caminha para ser o ano mais quente da história moderna.

“Em tempos de polarização, expressões como desglobalização se tornaram corriqueiras. Mas é impossível desplanetizar nossa vida em comum. Estamos condenados à interdependências da mudança climática”, declarou o líder brasileiro.

“O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos que não são cumpridos, está cansado de metas de redução de carbono negligenciadas, do auxílio financeiro aos países pobres que nunca chega”, emendou Lula, na ONU.

O presidente citou furacões no Caribe, tufões na Ásia, secas e inundações na África e chuvas torrenciais na Europa para exemplificar como as mudanças climáticas têm afetado o mundo inteiro. “O negacionismo sucumbe ante as evidências do aquecimento global”, afirmou.

O presidente disse que o uso da força sem amparo no direito internacional está se tornando “regra” no mundo e criticou o investimento em armamentos de guerra, recursos que em sua visão poderiam ser voltados para combater a fome e a mudança do clima. O brasileiro cobrou que a ONU adote “meios necessários” para enfrentar as mudanças internacionais.

“Andamos em círculos entre compromissos possíveis que levam a resultados insuficientes. Nem mesmo com a tragédia da covid-19 fomos capazes de nos unir em torno de um tratado sobre pandemia na Organização Mundial da Saúde (OMS). Precisamos ir muito além e dotar a ONU dos meios necessários para enfrentar as mudanças vertiginosas do panorama internacional”, disse.

Lula afirmou que o mundo vive “momentos de crescentes angústias”, citando a escalada de conflitos bélicos e consequente aumento de gastos na área. “O ano de 2023 ostenta o triste recorde do maior número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial. Os gastos militares globais cresceram pelo nono ano consecutivo e atingiram US$ 2,4 trilhões”, comentou.

Em sua visão, tais recursos poderiam ter sido utilizados para combater a fome e enfrentar a mudança do clima. “O que se vê é o aumento das capacidades bélicas, o uso da força sem amparo no direito internacional está se tornando regra”, comentou.

Lula citou alguns conflitos que têm potencial de se tornarem generalizados. “Na Ucrânia, é com pesar que vemos a guerra se estender sem perspectiva de paz”, disse. Segundo ele, está “claro” que nem Ucrânia nem Rússia conseguirão atingir seus objetivos pela via militar.

“Criar condições para retomada do diálogo direto entre as partes é crucial neste momento”, acrescentou, pedindo a abertura de um processo de diálogo e o fim das “hostilidades”.

O presidente brasileiro também citou os conflitos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia e a expansão “perigosa” dos combates ao Líbano. “O que começou com uma ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes tornou-se uma punição coletiva de todo o povo palestino.”

O presidente cobrou que os países invistam em economia menos dependente de combustíveis fósseis. Ao enaltecer a matriz energética brasileira, Lula disse ser preciso enfrentar o debate sobre o “ritmo lento” da descarbonização no planeta.

“Estamos no Brasil na vanguarda em outros nichos importantes, como o da produção do hidrogênio verde. É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”, disse.

De acordo com o petista, o País desponta como um “celeiro de oportunidades” num mundo revolucionado pela transição energética. “Somos um dos países com a matriz energética mais limpa”, disse. “Fizemos a opção pelos biocombustíveis há 50 anos, muito antes que a discussão sobre energias alternativas ganhasse tração.”

O presidente disse que a América Latina (AL) vive, desde 2014, uma segunda década perdida. Em sua visão, disputas muitas vezes alheias à região trazem fragilidade à cooperação e ao entendimento entre os países latino-americanos.

“Na América Latina, vive-se, desde 2014, uma segunda década perdida. O crescimento médio da região nesse período foi de apenas 0,9%, metade do verificado na década perdida de 1980”, disse.

“Essa combinação de baixo crescimento e altos níveis de desigualdade resulta em efeitos nefastos sobre a paisagem política. Tragada por disputas, muitas vezes alheias à região, nossa vocação de cooperação e entendimento se fragiliza”, comentou.

No discurso, o chefe do Executivo brasileiro aproveitou para pedir o fim da sanção a Cuba. “É injustificado manter Cuba em uma lista unilateral de Estados que supostamente promovem o terrorismo e impor medidas coercitivas unilaterais, que penalizam indevidamente as populações mais vulneráveis”, disse Lula.

 O presidente disse que as Nações Unidas estão esvaziadas e precisam ser reformadas antes que uma tragédia, como a Segunda Guerra Mundial, se repita. Ele também criticou o fato de a organização nunca ter tido uma mulher como secretária-geral.

“Estamos chegando ao final do primeiro quarto do século XXI com as Nações Unidas cada vez mais esvaziadas e paralisadas. É hora de reagir com vigor a essa situação, restituindo à organização as prerrogativas que decorrem da sua condição de foro universal. Não bastam ajustes pontuais. Precisamos contemplar uma ampla revisão da Carta”, disse o petista.

Ele defendeu transformar o Conselho Econômico e Social no principal espaço para discussões sobre desenvolvimento sustentável; reforçar o papel da Assembleia Geral, inclusive em debates sobre paz e segurança internacional; fortalecer a Comissão de Consolidação da Paz; e reformar o Conselho de Segurança – colegiado em Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido e França têm poder de, individualmente, vetar os principais movimentos da comunidade internacional.

“A exclusão da América Latina e da África de assentos permanentes no Conselho de Segurança é um eco inaceitável de práticas de dominação do passado colonial”, disse Lula. A reforma do Conselho de Segurança é um pleito antigo do Brasil. Lula também criticou a falta de equilíbrio de gênero na governança global. “O cargo de secretário-geral jamais foi ocupado por uma mulher”, disse.

O petista declarou que não tem ilusões sobre o quão complexa seria uma reforma dessa monta na Organização das Nações Unidas. “Exigirá enorme esforço de negociação. Mas essa é a nossa responsabilidade. Não podemos esperar por outra tragédia mundial, como a Segunda Grande Guerra, para só então construir sobre os seus escombros uma nova governança global”, disse Lula