Fernanda Valadares

ITCM na previdência privada

Vamos explorar o entendimento anterior sobre a incidência do ITCMD e os fundamentos que levaram à mudança na jurisprudência.

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17 de dezembro de 2024
Vinicius Palermo
ITCM na previdência privada
O ITCM deve ser observado não somente nos bens.

Há muito se vem discutindo sobre a incidência de imposto na transferência de verbas decorrentes de previdência privada deixada pelo autor da herança. Enquanto a lei dizia que o imposto não incidia, os Estados viam cobrando o ITCMD quando fosse o momento do resgate da previdência privada pelos herdeiros. No entanto, recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) enfrentou a questão: Incide ou não o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre valores de planos de previdência privada, especificamente o PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) e o VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre), no caso de falecimento do titular? Essa discussão envolve temas como a natureza jurídica desses produtos, o conceito de transmissão por herança e as consequências tributárias para os beneficiários. Em uma decisão com repercussão geral, o STF declarou inconstitucional dessa cobrança, trazendo importantes implicações para o beneficiário, para o sistema tributário e para a previdência privada no Brasil.

Para entender o impacto dessa decisão, vamos explorar os detalhes sobre o que são esses planos, o entendimento anterior sobre a incidência do ITCMD e os fundamentos que levaram à mudança na jurisprudência.

O PGBL e o VGBL são produtos financeiros de previdência privada oferecidos por seguradoras e entidades de previdência complementar. Ambos têm como objetivo principal a acumulação de recursos para garantir uma renda complementar na aposentadoria, mas apresentam diferenças importantes em sua estrutura tributária e na forma de uso.

O PGBL permite deduzir até 12% da renda tributável anual do contribuinte. Mas, quando chega o momento de resgatar os valores, o imposto de renda irá incidir sobre o montante total acumulado. Já no VGBL, o imposto é aplicado apenas sobre os rendimentos, tornando-o mais atraente para quem utiliza a declaração simplificada ou já atingiu o limite de deduções, por exemplo.

Em caso de falecimento do titular, ambos os planos de previdência passam a desempenhar uma função acessória, semelhante a um seguro de vida, transferindo os valores acumulados aos beneficiários indicados no contrato.

No entanto, historicamente, a incidência do ITCMD sobre os valores pagos aos beneficiários de planos de previdência privada era tema de intensos debates. Tribunais estaduais apresentavam interpretações divergentes. Um exemplo claro é o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ), que havia considerado inconstitucional a cobrança do ITCMD sobre o VGBL, mas validou sua aplicação no caso do PGBL, argumentando que este teria natureza de aplicação financeira e, portanto, estaria sujeito à tributação como transmissão causa mortis.

Essa divergência gerava insegurança jurídica, e principalmente pelo fato de que o conceito de transmissão de patrimônio causa mortis é único no sentido de incidência do ITCMD. No entanto, defensores da não incidência apontavam que os valores de PGBL e VGBL não configuram herança, pois derivam de um contrato específico, onde o direito dos beneficiários é autônomo e não sucessório.

Para resolver a questão, o assunto foi para o Supremo, e a análise do STF sobre o tema foi conduzida no contexto de três recursos. A principal questão era determinar e resolver de fato se os valores recebidos por beneficiários desses planos de previdência privada poderiam ser considerados herança, e se sim, sujeitas ao ITCMD.

O relator do caso, ministro Dias Toffoli, argumentou que tanto o PGBL quanto o VGBL possuem natureza específica que afasta a incidência do ITCMD. No caso do VGBL, sua caracterização como seguro de vida implica que os repasses aos beneficiários não decorrem de transmissão causa mortis, mas de um direito próprio decorrente do contrato. O mesmo raciocínio foi aplicado ao PGBL, que, em caso de morte do titular, também ganha o caráter de seguro de vida.

O ministro Toffoli ainda destacou que o artigo 794 do Código Civil e o artigo 79 da Lei 11.196/2005 reforçam que os valores pagos aos beneficiários desses planos não integram o inventário do falecido. Portanto, os beneficiários têm direito imediato aos recursos, sem qualquer relação com o processo sucessório.

Com base nesse entendimento, o STF fixou a seguinte tese: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) sobre o repasse aos beneficiários de valores e direitos relativos ao plano vida gerador de benefício livre (VGBL) ou ao plano gerador de benefício livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano”.

Essa decisão não apenas resolve um impasse jurídico, mas também impede que a previdência privada seja utilizada como um instrumento de elusão fiscal. Durante o debate, foi levantada a preocupação de que pessoas de alta renda poderiam usar o VGBL para evitar a tributação do ITCMD, mas o STF reconheceu que tais casos são exceções e que mecanismos já existem para coibir abusos tributários.

Portanto, a decisão do STF representa um marco para o sistema tributário e para os benefícios da previdência privada no Brasil. Ela garante maior segurança jurídica para contratantes e beneficiários, ao mesmo tempo em que preserva o caráter contratual desses planos. Para além do aspecto fiscal, a decisão reforça a ideia de que a previdência privada é uma ferramenta essencial para a organização financeira e proteção patrimonial, sem que seus benefícios sejam comprometidos por interpretações tributárias inconsistentes, sendo um excelente meio de planejamento sucessório.