Com a recente promulgação da Lei 14.905/24, que altera o Código Civil, os empresários precisam estar atentos às novas regras para o cálculo dos juros de mora em caso de inadimplência. A mudança tem impacto direto nas cobranças de dívidas, especialmente naquelas que não possuem uma previsão contratual específica sobre os juros. Neste artigo, vamos explicar como a nova legislação afeta o ambiente empresarial.
A Lei 14.905/24 introduziu alterações importantes no Código Civil, especialmente nos artigos 389, 395 e 406, estabelecendo a aplicação da taxa Selic como índice oficial para os juros moratórios. Essa medida visa a unificar a base de cálculo dos juros em situações de inadimplência, eliminando as incertezas jurídicas que antes permeavam a escolha entre a Selic e a taxa de 1% ao mês, prevista no Código Tributário Nacional. Assim, a nova legislação tem como objetivo garantir uma maior segurança jurídica nas relações contratuais.
Como ressaltado, antes da Lei 14.905/24, havia uma controvérsia sobre qual taxa de juros deveria ser aplicada quando o contrato não estipulava um valor específico. A confusão surgiu porque o Código Civil, no seu artigo 406, não determinava com clareza se deveria ser aplicada a taxa Selic ou a taxa de 1% ao mês prevista no artigo 161, § 1º do Código Tributário Nacional (CTN).
Na prática, muitos tribunais aplicavam a taxa de 1% ao mês, enquanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidia que a Selic seria a taxa adequada. Isso gerava grave insegurança jurídica, pois empresas e credores não tinham certeza sobre qual taxa seria utilizada em caso de cobrança judicial. Agora, a Lei 14.905/24 resolve essa questão, estabelecendo a Selic como a taxa padrão para os juros legais moratórios.
Outra novidade importante trazida pela lei é a dedução do índice de atualização monetária da taxa Selic quando esta for utilizada como juros legais moratórios. Isso ocorre porque a Selic, além de ser uma taxa de juros, já inclui um fator de atualização monetária, o que evita a ocorrência de dupla incidência ou bis in idem. A metodologia de cálculo para essa dedução será estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional e regulamentada pelo Banco Central do Brasil, proporcionando transparência no uso da nova taxa legal.
A adoção da Selic como taxa de juros padrão em casos de inadimplência contratual afeta diretamente as empresas, especialmente na gestão jurídico-financeira de contratos. A Selic é uma taxa flutuante, que varia conforme a política monetária do Banco Central, enquanto a taxa de 1% ao mês era fixa e previsível. Assim, dependendo das circunstâncias econômicas, a Selic pode ser mais baixa ou mais alta que o antigo 1%, influenciando diretamente o valor das dívidas em atraso.
Uma dúvida comum que surge com a mudança na legislação é sobre a aplicação da nova taxa de juros a contratos e dívidas já existentes. A regra básica é que a nova taxa Selic se aplica apenas a dívidas e obrigações que surgirem após a entrada em vigor da Lei 14.905/24. Isso significa que, para inadimplências anteriores, deve-se manter a taxa de juros vigente à época do surgimento da dívida, respeitando o princípio de que a lei não pode retroagir para atingir fatos passados.
Porém, a lei traz questões relevantes para os advogados que lidam com processos judiciais em curso, nos quais a dívida foi constituída antes da mudança legislativa, mas ainda não houve pagamento. Nestes casos, pode haver coexistência de duas taxas diferentes ao longo do tempo.
No caso de um processo judicial iniciado em 2020, em que a sentença determinou o pagamento de uma dívida com juros de 1% ao mês. Com a entrada em vigor da nova lei em 2024, a Selic deverá ser aplicada apenas aos juros gerados a partir de 2024, enquanto os juros anteriores permanecem fixos em 1%. Isso pode gerar complexidades nos cálculos e exigirá atenção redobrada das empresas para não incorrer em erros que possam gerar litígios desnecessários.
Uma maneira segura de evitar surpresas e demandas judiciais é incluir uma cláusula específica sobre juros de mora nos contratos. Com a nova legislação, é ainda mais relevante especificar a taxa de juros a ser aplicada em caso de inadimplência. As partes têm liberdade para estipular qualquer taxa, desde que respeitados os limites legais. Isso traz previsibilidade e segurança jurídica.
Além de impactar diretamente os processos de cobrança e execução, a alteração do art. 406 do Código Civil traz reflexos em outras áreas da gestão empresarial. Os modelos de cálculo de risco financeiro devem considerar a variação da Selic. Isso é particularmente importante para empresas que trabalham com prazos longos de pagamento ou que tenham um volume elevado de contratos. Além disso, os credores precisarão avaliar a capacidade de pagamento dos clientes considerando a volatilidade da Selic, que pode variar conforme a mudança da política econômica.
Vale lembrar que a uniformização da taxa de juros não elimina a possibilidade de discussões sobre a aplicação de outras penalidades financeiras, como multas, que podem coexistir com os juros moratórios. A definição e adequação dessas penalidades também são essenciais para um contrato eficiente e bem estruturado.
Diante dessa análise, podemos concluir que a Lei 14.905/24 representa um grande avanço na padronização das taxas de juros legais no Brasil, oferecendo maior clareza e previsibilidade para o ambiente empresarial. Entretanto, sua aplicação prática ainda demanda atenção especial, principalmente no que se refere a contratos já vigentes e processos judiciais em andamento.