O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu na quarta-feira, 4, que é necessário fazer um debate sobre o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias, que eventualmente vão consumir o espaço dos gastos discricionários. “Eu te dou razão em dizer que, todas as regras mantidas, a despesa obrigatória vai consumir a despesa livre, a despesa discricionária, então, nós vamos ter de fazer um debate sobre isso”, afirmou.
O comportamento das despesas obrigatórias foi uma das principais críticas ao novo arcabouço fiscal, desenhado e aprovado por Haddad ainda em 2023.
A regra estabelece um crescimento real máximo de 2,5% ao ano para as despesas do governo, mas parte dos gastos obrigatórios, como com saúde e educação, está indexada a outros fatores e acaba expandindo-se mais do que o gasto geral. Isso acaba reduzindo o espaço para as despesas discricionárias.
Segundo Haddad, já existe um debate dentro do governo sobre como resolver esse problema. Ele ressaltou o processo de revisão de gastos iniciado este ano e o trabalho do Ministério do Planejamento em identificar as principais rubricas que devem ser alvo de atenção, inclusive um “descontrole” dos cadastros em programas sociais, que ele atribuiu ao governo anterior.
“Esse descontrole é que está sendo revisto pelo ministro do Desenvolvimento Social Wellington Dias, que com muito zelo e cuidado está fazendo o que precisa ser feito e fará mais para que esses gastos não fujam do controle”, afirmou o ministro.
Haddad repetiu que a equipe econômica tem de levar em conta o processo político quando desenha medidas de ajuste fiscal. “Nós queremos crescimento, nós queremos baixa inflação, mas nós queremos garantir o funcionamento das instituições democráticas”, afirmou.
Ele disse que é preciso considerar que o governo anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro, era “autoritário” e pretendia “fechar o regime político”. Por isso, disse Haddad, essa dimensão política tem de ser considerada pela equipe econômica, inclusive porque a dimensão político-institucional faz parte do desenvolvimento de um país saudável, que atrai investimentos.
“Se nós tivéssemos feito o que a direita queria, nós teríamos instabilidade política no nosso País. Em vez de crescimento com baixa inflação e emprego, nós teríamos uma instabilidade política, porque, de novo, nós iríamos cair no erro de fazer o ajuste fiscal em cima de quem paga a conta, que são os pobres”, ele afirmou.
Haddad voltou a dizer que a Fazenda fez um ajuste fiscal “em cima de quem pode arcar” e afirmou que isso foi possível porque, quando os parlamentares são expostos aos números, eles se sensibilizam. “Tem um caminho de prosperidade no Brasil que atende todos os interesses, mas não atende a gula de ninguém”, afirmou.
O ministro garantiu que não há problema em discutir ajustes do lado social, se os programas forem equivocados, já que o ideal é que a economia garanta as oportunidades de trabalho para todos.
O ministro defendeu que é necessário ser transparente nas contas públicas para avaliar necessidades de ajuste. Ele argumentou que a quitação dos precatórios pelo governo é uma medida que garante essa visibilidade.
“Como é que o Congresso vai se debruçar sobre qualquer proposta sem saber como é que as contas da previdência realmente estão?”, indagou.
O ministro afirmou que a área econômica tem de estar sempre debruçada sobre as contas para avaliar a trajetória de cada rubrica de despesas, citando alterações legais no Benefício de Prestação Continuada (BPC) feitas em 2021.
“Houve alterações legais, por exemplo, no BPC, que criaram brechas para concessão de benefício para quem efetivamente não é o alvo do programa”, ele disse. “Nós estamos estudando os impactos dessa irresponsabilidade agora, depois de anos de descontrole. Houve muito descontrole nas contas, muito descontrole.”
Haddad voltou a citar a agenda de controle dos riscos fiscais derivados de decisões judiciais, repetindo que mais de R$ 1 trilhão foi retirado do quadro de riscos fiscais.
“Nós não temos o tabu de discutir nenhum assunto em benefício do crescimento sustentável do Brasil, agora, eu tenho o tempo da política. Você não está numa ditadura, você está numa democracia, felizmente, e isso exige a cautela devida, porque não adianta apresentar uma coisa que não passa no Congresso, que não tenha tido discussão”, afirmou o ministro.
O ministro disse que há espaço para rever o procedimento. O assunto será conversado com a Casa Civil, o que foi autorizado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o ministro, Lula deu aval para a equipe econômica debater o assunto de modo que a despesa com o programa não seja “excepcionalizada”.
A engenharia financeira criada pelo governo para financiar o novo Auxílio Gás turbinado foi recebida com preocupação por especialistas em contas públicas. A avaliação é de que se trata de um potencial drible do governo para a realização de gastos fora do Orçamento público – e, portanto, fora do limite de despesas do arcabouço fiscal.
No Orçamento de 2025, o governo reduziu em 84% o valor destinado ao programa: de R$ 3,5 bilhões para R$ 600 milhões. A redução ocorre mesmo com a previsão de aumento no número de famílias atendidas: de 5,5 milhões para 6 milhões. Essa redução de despesa reflete a adoção da nova forma de financiamento, que usa recursos oriundos do Fundo Social.
“Falei com Lula na segunda e ele autorizou falarmos com a Casa Civil para não excepcionalizar investimento de Auxílio Gás em 2025. Vamos sentar com a Casa Civil, tem espaço para revermos procedimento”, disse Haddad.
Na segunda-feira, 2, durante a coletiva sobre o projeto de lei orçamentária de 2025, o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, já havia falado que o modelo proposto causava alguma preocupação para a pasta.
A reformulação do programa foi uma proposta encampada pelo Ministério de Minas e Energia. O projeto de lei prevê que o Auxílio Gás – rebatizado de Gás para Todos – será operado pela Caixa Econômica Federal, que poderá receber dinheiro diretamente de empresas de petróleo. Em vez de depositarem a contribuição obrigatória ao Fundo Social do Pré-Sal, essas empresas repassariam o dinheiro ao banco estatal, descontando o valor da contribuição que fariam ao fundo.