A Assembleia Geral da ONU foi palco na quinta-feira de um debate de alto nível sobre um dos maiores desafios de saúde da atualidade, a resistência antimicrobiana, ou RAM.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) o problema é diretamente responsável por quase 1,3 milhão de mortes e contribui indiretamente para quatro milhões de fatalidades todos os anos.
Em Nova Iorque, o diretor de Vigilância, Prevenção e Controle do Departamento de Resistência Antimicrobiana da OMS, Yvan Hutin, disse que uma das razões para a realização do evento é o fato da carga continuar aumentando.
Ele afirmou que as projeções para 2050 são “muito preocupantes” e que por isso é preciso “agir agora”, envolvendo não apenas o setor da saúde, mas também da agricultura e do meio ambiente.
Ele explicou que em contextos de conflito existem circunstâncias que facilitam o surgimento de agentes patogênicos resistentes e sua propagação, pois existe “uma pressão de uso de antibióticos” e “práticas inadequadas de controle de infecções que levam à propagação”.
Em relação aos conflitos atuais em Gaza, Ucrânia e Sudão o especialista confirmou “relatos de pacientes com múltiplos organismos resistentes”. Ele acrescentou que esse é um problema real que pode se espalhar para outras partes do mundo.
Hutin explicou que em Gaza “as circunstâncias são extremamente difíceis”, pois a medida mais essencial de prevenção é acesso a água e o saneamento, que são atualmente precários no enclave. A segunda prioridade é o controle em meio hospitalar, também dificultada pelos confrontos e destruição do sistema de saúde.
Segundo ele, a OMS tem feito todo o possível para implementar um sistema simples para diagnosticar infecções sem testes de diagnóstico e implementar o melhor tratamento possível com base nas suspeitas.
Desde a sua descoberta, há um século, os medicamentos antimicrobianos, desde antibióticos a antivirais, aumentaram significativamente a esperança média de vida. Todos os dias, estes medicamentos essenciais salvam milhões de vidas, mas alguns deles estão começando a perder o efeito.
A resistência antimicrobiana ocorre quando microrganismos como bactérias, vírus, fungos e parasitas já não respondem aos medicamentos antimicrobianos.
Como resultado da resistência, as infecções podem tornar-se difíceis ou impossíveis de tratar, aumentando o risco de propagação de doenças graves, incapacidade e morte, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, OMS.
Do mesmo modo como a Covid-19, as infecções resistentes aos medicamentos não conhecem fronteiras e ninguém está imune.
Alguns dos impactos crescentes ligados a este desafio de saúde pública são opções de tratamento limitadas, internamentos hospitalares prolongados, medicação constante, perda prolongada de rendimentos, dívidas médicas, pobreza, perda familiar e sofrimento.
Segundo a OMS, “isso pode acontecer com qualquer pessoa, em qualquer lugar”. Mesmo para pessoas com boa saúde, um ferimento leve, uma cirurgia de rotina ou uma infecção pulmonar comum podem evoluir inesperadamente para uma situação de risco de vida.
Para aqueles com doenças pré-existentes como câncer, HIV/Aids ou diabetes, uma infecção intratável pode surgir como uma segunda ameaça perigosa, atacando quando menos se espera.
Vários fatores podem acelerar o aparecimento e a propagação da RAM, sendo o uso excessivo e indevido de antibióticos um dos principais. A prescrição e uso desses medicamentos quando não são necessários ou tratamentos incompletos podem contribuir para a resistência.
O uso de antibióticos na pecuária para promover o crescimento e prevenir doenças também pode gerar cepas resistentes que podem ser transmitidas aos seres humanos.
O controle de infecções também é muito importante, por isso o saneamento e a higiene inadequados nos ambientes de saúde e nas comunidades facilitam a propagação de microrganismos resistentes.
Além disso, o aumento da circulação de pessoas e mercadorias permite que organismos resistentes se espalhem mais facilmente através das fronteiras.
O aumento da RAM tem sérias implicações para a saúde pessoal e pública. Ela ameaça a vida de milhões de pessoas, com impactos adicionais na economia, sistemas alimentares, desenvolvimento e segurança.
Segundo a OMS o problema poderá acarretar um custo anual global estimado em até US$ 3,4 bilhões até 2030, empurrando cerca de 28 milhões de pessoas para a pobreza até 2050, segundo o Banco Mundial.
A reunião nesta quinta-feira será o principal evento oficial focado na saúde durante a semana de alto nível da Assembleia Geral da ONU. A OMS considera que sem medidas decisivas, como as descritas na declaração política da reunião, a RAM causará ainda mais sofrimento global, especialmente nos países em desenvolvimento.
O presidente da Assembleia Geral, Philémon Yang, iniciou a reunião de alto nível sobre Resistência Antimicrobiana anunciando a aprovação da declaração política negociada pelos países. A aprovação, por consenso, foi recebida sob fortes aplausos dos líderes presentes.
Yang disse que a resistência antimicrobiana, ou RAM, é “uma das maiores ameaças do nosso tempo”. Segundo ele, não se trata apenas de uma crise de saúde global, mas também uma questão crítica de desenvolvimento.
O presidente da Assembleia Geral afirmou que essa é “uma questão relevante para a capacidade coletiva de tratar doenças em seres humanos, animais e plantas e melhorar a segurança alimentar”.
Ele acrescentou que o sucesso em todas estas frentes é essencial para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS. Yang ressaltou ainda que o mundo “deve agir urgentemente para conter a ameaça”.
Na sessão de abertura da reunião de alto nível, a vice-secretária-geral da ONU, Amina Mohammed, disse que a RAM representa um “perigo complexo e existencial” e está entre as 10 principais ameaças à saúde e ao desenvolvimento globais, responsável por 1,3 milhões de mortes por ano.
Ela enfatizou que “estes não são apenas números, representam vidas perdidas, famílias destruídas e futuros roubados.”
Amina adicionou que essa crise custa cerca de US$ 800 bilhões anualmente em despesas de saúde e perda de produtividade e “ameaça reverter décadas de progresso médico”. Ela destacou que combater a RAM é um “imperativo moral”.
O diretor-geral da OMS disse que o inventor da penicilina alertou o mundo sobre os perigos da RAM em seu discurso de aceitação do Prêmio Nobel em 1945.
Tedros Ghebreyesus disse que o problema é uma das ameaças mais prementes à saúde e ao desenvolvimento e pode “reverter décadas de progresso médico”.
Segundo ele, “este não é um risco hipotético para o futuro. Está aqui e agora” e nenhum país está imune à ameaça. O líder da OMS lembrou que são os países de rendimento baixo e médio que enfrentam o maior fardo, com poucos antibióticos novos e eficazes em desenvolvimento.
Tedros disse que a maioria dos países registou progressos desde a primeira grande reunião na ONU sobre a questão em 2016, mas é urgentemente necessário “mais trabalho e mais dinheiro” para superar a ameaça crescente.
Segundo o diretor-geral da OMS, a adoção da declaração foi um bom primeiro passo com um plano de ação global que deverá entrar em vigor até 2026. Ele apelou a todos os Estados-membros para que tomem “medidas imediatas sobre os compromissos que assumiram hoje” e afirmou que a OMS está pronta para apoiar.
Também na abertura, a diretora do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Inger Andersen, sublinhou que “os desafios da RAM não podem ser compreendidos ou abordados separadamente da tripla crise planetária”.
Esse conceito engloba as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e a poluição. Segundo Andersen, todas elas são “impulsionadas por padrões de consumo e produção insustentáveis”.
A resistência antimicrobiana ocorre quando microrganismos como bactérias, vírus, fungos e parasitas já não respondem aos medicamentos antimicrobianos.
Como resultado da resistência, as infecções podem tornar-se difíceis ou impossíveis de tratar, aumentando o risco de propagação de infecções, doenças graves, incapacidade e morte, de acordo com a OMS.