A Justiça do Trabalho lançou três protocolos de julgamento que orientam os juízes no sentido de adotarem uma visão mais ampla no tratamento de temas como diversidade, inclusão, combate ao trabalho escravo contemporâneo e ao trabalho infantil.
A ideia é que uma decisão verdadeiramente justa leva em consideração o direito sob a perspectiva das especificidades de grupos sociais vulneráveis, corrigindo omissões e tratamentos inadequados das leis.
Merece especial destaque o Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva da Infância e Adolescência, elaborado sob a coordenação do ministro Evandro Valadão, do Tribunal Superior do Trabalho.
O Protocolo voltado para a Magistratura traz importantes alertas para toda a sociedade, ao orientar os julgadores sobre a forma de atuação em processos que envolvem crianças/adolescentes como trabalhadores, define que devem ser analisados: o contexto familiar, econômico e social a que a pessoa em peculiar condição de desenvolvimento é submetida, bem como, a aplicação da proteção integral e imediata, especialmente quando tratar-se da primeira infância (até os seis anos de idade – de acordo com a Política Nacional de Proteção à Primeira Infância).
Quando as questões debatidas no processo envolverem desconformidades e ilicitudes continuadas o enfoque deverá ter caráter estrutural, com amplo diálogo social, devendo o juiz trazer ao processo entidades que possam contribuir tanto na compreensão das questões como, e principalmente, com sugestões eficazes de soluções.
O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) tem atuação em três eixos: defesa, promoção e controle. O SGDCA é composto por diversos entes: Conselho Tutelar; Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; Sistema S; Entes de Aprendizagem; Ministério do Trabalho e Emprego; Secretarias de Ação Social (CRAS e CREAS); Ministério Público do Trabalho.
As políticas públicas de combate ao trabalho infantil, bem como, de incentivo aos Programas de Aprendizagem orientam as entidades sociais a integrarem adolescentes, a partir dos 14 anos, em programas que proporcionem o aprendizado adequado à etapa de formação pessoal e ainda que permitam a inserção no mercado de trabalho em melhores condições.
Nesse contexto, a sociedade também precisa ser conscientizada de que o trabalho infantil prejudica tanto a pessoa em formação quanto à sociedade como um todo. Compreender as consequências prejudiciais do trabalho infantil pode ser um início de mudança de mentalidade para as próximas gerações.
Muitos ignoram o fato de que o trabalho infantil prejudica tanto a saúde física quanto a saúde mental, e as consequências se prolongam no tempo.
Faz-se necessário desconstruir mitos sociais acerca do trabalho infantil, e nesse ponto, transcrevo trecho do referido Protocolo: “a) mito da dignidade – parte da premissa de que o trabalho confere dignidade à criança, ocultando o modo como o trabalho é nocivo à integridade e ao desenvolvimento desta; b) mito criminológico – baseia-se na falácia de que é melhor trabalhar do que roubar, forma de discriminar a criança pobre e de condená-la a uma dentre essas duas alternativas; c) mito da positividade econômica – parte da tese de que o trabalho infantil auxilia a reduzir a pobreza da família, de modo a ocultar que não é papel da criança ser provedor(a) da família e que o trabalho infantil apenas reproduz o ciclo intergeracional da pobreza; d) mito da utilidade – consiste na afirmação de que é preferível trabalhar a estar desocupado(a) na rua, reduzindo o(a) trabalhador(a) infantil a uma força de trabalho útil, sem levar em conta os riscos que a atividade laborativa representa para a integridade física e o desenvolvimento material e psicossocial da criança; e) mito da formação do caráter – fundamenta-se na tese de que o trabalho infantil molda a formação do caráter da criança, ocultando o principal que é o fato de a atividade laborativa retirar do menino e da menina a oportunidade de ser criança e de ter uma normal convivência comunitária e familiar; f) mito da supremacia do interesse da família – funda-se na afirmação de que não há mal se a criança trabalhar, sob a responsabilidade e cuidado direto de pais ou familiares, reforçando assim uma violação ao art. 227 da CFRB/88, e baseando-se na premissa central da doutrina da situação irregular na qual o interesse da criança deve ser inferiorizado e ou anulado diante da suposta supremacia do interesse da família; g) mito da autodisciplina pela inclusão precoce – consiste na afirmação de que por meio do trabalho a criança introjeta desde cedo maior capacidade de autodisciplina. O citado mito omite que o trabalho infantil gera a inclusão excludente, ou seja, promove a inserção precoce no mercado de trabalho, mas retira, no presente, a oportunidade de a criança brincar, desenvolver-se, estudar e se tornar, no futuro, um adulto qualificado ao invés de um trabalhador precarizado.”
O Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva da Infância e Adolescência traz reflexões e ensinamentos valiosos para toda a sociedade, afinal, a erradicação do trabalho infantil é uma missão de todos.
Compreender as consequências, respeitar os direitos da pessoa em formação, proporcionar educação e a entrada adequada no mercado de trabalho do adolescente fará toda a diferença para alcançar uma sociedade mais justa.
Suellen Escariz – Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra, servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – Instagram