O Carrefour França afirmou, em nota oficial, que o veto à venda de carnes do Mercosul é válido apenas para as unidades da rede varejista no país. A medida havia sido anunciada pelo CEO da companhia, Alexandre Bompard, em carta publicada nas redes sociais, mas não deixava claro o nível de extensão da medida da companhia.
“O Carrefour França informa que a medida anunciada na quarta-feira se aplica apenas às lojas na França. Em nenhum momento, ela se refere à qualidade do produto do Mercosul, mas somente a uma demanda do setor agrícola francês, atualmente em um contexto de crise”, disse o Carrefour França nesta quinta-feira, 21.
No comunicado, o grupo também ressaltou que não haverá mudanças nas atividades da companhia em outros países, incluindo o Brasil
“Todos os outros países onde o Grupo Carrefour opera, incluindo Brasil e Argentina, continuam a operar sem qualquer alteração e podem continuar adquirindo carne do Mercosul. Nos outros países, onde há o modelo de franquia, também não há mudanças”, acrescentou o Carrefour França na nota oficial.
A posição reverbera as declarações do Grupo Carrefour Brasil, que havia afirmado na quarta-feira que “nada muda nas operações no País”.
Bompard havia anunciado a medida em carta endereçada a Arnaud Rousseau, presidente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Operadores Agrícolas. O CEO afirmou que a decisão foi tomada após ouvir o “desânimo e a raiva” dos agricultores franceses, que protestam contra a proposta de acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul.
Os grupos pedem que o presidente francês, Emmanuel Macron, anuncie que vai utilizar o veto da França se o projeto for aprovado.
O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) rechaçou, em nota, as declarações do CEO do Carrefour, quanto às carnes produzidas pelos países do Mercosul. “O Mapa lamenta tal postura que, por questões protecionistas, influenciam negativamente o entendimento de consumidores sem quaisquer critérios técnicos que justifiquem tais declarações”, criticou o ministério na nota.
A reação do governo brasileiro ocorre após Bompard ter divulgado, na quarta-feira, 20, comunicado nas suas redes sociais, no qual afirma que a varejista se compromete, a partir da quarta, a não vender carnes do Mercosul, independentemente dos “preços e quantidades de carne” que esses países possam oferecer.
Na nota, o ministério disse que seu posicionamento é de não acreditar em movimento orquestrado por parte de empresas francesas para dificultar a formalização do acordo entre Mercosul e União Europeia.
“O Mapa não aceitará tentativas vãs de manchar ou desmerecer a reconhecida qualidade e segurança dos produtos brasileiros e dos compromissos ambientais brasileiros. Mais uma vez, o Mapa reitera o compromisso da agropecuária brasileira com a qualidade, sanidade e sustentabilidade dos alimentos produzidos no Brasil para contribuir com a segurança alimentar e nutricional de todo o mundo”, defendeu o ministério.
A pasta citou, ainda, o rigor do sistema de defesa agropecuária nacional e o Código Florestal Brasileiro. “O que garante ao País o posto de maior exportador de carne bovina e de aves do mundo, mantendo relações comerciais com aproximadamente 160 países, atendendo aos padrões mais rigorosos, inclusive para a União Europeia que compra e atesta, por meio de suas autoridades sanitárias, a qualidade e sanidade das carnes produzidas no Brasil há mais de 40 anos”, destacou, mencionando também os modelos de rastreabilidade do setor privado adotados para o mercado europeu.
Na quarta-feira, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, afirmou que a decisão do Carrefour de não vender mais carnes do bloco “parece uma ação orquestrada” de companhias francesas contra o Brasil. O ministro disse ficar “indignado” com o posicionamento dos franceses.
“Me parece uma ação orquestrada de companhias francesas”, declarou o ministro a jornalistas após participar de jantar com o presidente da China, Xi Jinping, na quarta-feira, em Brasília
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) lamentou, em nota, também a declaração do CEO do Carrefour na rede social X. Segundo a Abiec, “tal posicionamento vai contra os princípios do livre mercado e é contraditório, vindo de uma empresa que opera cerca de 1.200 lojas no Brasil, abastecidas majoritariamente com carnes brasileiras, reconhecidas mundialmente por qualidade e segurança”.
“Ao adotar um discurso protecionista em defesa dos produtores franceses, o Carrefour fragiliza seu próprio negócio e expõe o mercado europeu a riscos de abastecimento, já que a produção local não supre a demanda interna”, continuou a Abiec.
Conforme a associação, “o Brasil é líder global em exportação de carne bovina, com o maior rebanho comercial do mundo, produção sustentável e rigorosos controles sanitários que garantem qualidade para mais de 160 países. Nos últimos 30 anos, a pecuária brasileira aumentou sua produtividade em 172%, reduzindo a área de pastagem em 16%, demonstrando compromisso com eficiência e sustentabilidade”.
A Abiec destacou que “a visão protecionista do Sr. Bompard coloca em risco a estabilidade de um mercado global interdependente. Em 2023, o Brasil respondeu por 27% das importações de carne bovina da União Europeia fora do bloco, enquanto o Mercosul, somado, alcançou mais de 55%. Essa parceria, que há décadas atende aos padrões europeus, reafirma o potencial de cooperação entre as nações”.
“Decisões como essa não prejudicam apenas o Brasil, mas também a França, que depende de diversas commodities brasileiras. Em um mundo de desafios crescentes para a segurança alimentar global, o diálogo e a cooperação são mais urgentes do que nunca”, conclui a Abiec na nota.