A Reforma Trabalhista introduzida pela Lei nº 13.467/2017 trouxe diversas alterações para as regras previstas na CLT, dentre elas, o fim das horas “in itinere” (o tempo gasto no trajeto não é mais considerado como jornada de trabalho); maior liberdade para negociação coletiva; previsão expressa sobre danos extrapatrimoniais e aspectos a observar.
Muito questionada pela doutrina e jurisprudência tendo em vista o caráter mais protetivo do Direito do Trabalho, a Reforma já completou 6 anos, e ainda gera muita controvérsia na aplicação prática.
Havia também grande discussão acerca da aplicação intertemporal do direito, o que significa que parte da doutrina e jurisprudência entendia que, como prejudicial ao trabalhador e diante do Princípio da condição mais favorável, as mudanças perpetradas pela Lei nº 13.467/2017 não seriam aplicáveis aos contratos de trabalho que se encontravam em curso quando do início da sua vigência.
Para dirimir essa dúvida, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu, por maioria, que as alterações promovidas pela Lei da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) se aplicam mesmo em contratos firmados antes da vigência da norma, que teve início em novembro de 2017. O julgamento foi apertado, por 15 votos a 10.
Na prática, valem os direitos que estão no contrato até dia 10/11/2017. Contudo, os que foram suprimidos com a Reforma deixam de ser devidos aos trabalhadores a partir da entrada em vigor da norma, no dia 11/11/2017.
O empregado que até 10/11/2017 recebia as horas “in itinere” deixa de ter esse direito, podendo ser aplicadas as mudanças no intervalo intrajornada, a empregada mulher também deixa de ter direito ao descanso de 15 minutos antes da prestação de horas extras.
O processo julgado foi afetado como recurso repetitivo (tema 23), portanto, o entendimento é vinculante a toda a Justiça do Trabalho. A Corte fixou a seguinte tese: “A Lei 13.467 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei, cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência.”
Para o relator, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga, a aplicação imediata da nova lei sobre os contratos de trabalho em curso é fundamentada pelos artigos 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e 912 da CLT.
O artigo do LINDB afirma que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”, enquanto o trecho da CLT diz que “os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação”.
Segundo Corrêa da Veiga, no direito brasileiro, inexiste direito adquirido a um determinado estatuto legal ou regime jurídico, como é o caso da CLT. No caso em análise, disse, a nova lei não afetou um “verdadeiro ajuste entre as partes”, mas somente o regime jurídico imperativo que já indicia sobre elas independe de suas vontades. “Por isso, se sujeita a eventuais alterações subsequentes pelo legislador”, acrescentou.
O relator destacou que o princípio da irredutibilidade salarial, garantido pela Constituição, protege o valor nominal das parcelas permanentes, mas não a forma de cálculo ou os benefícios variáveis dependentes de fatos futuros. Dessa maneira, as alterações legais que tenham impacto em parcelas não permanentes, condicionadas a situações específicas, podem ser aplicadas aos contratos em curso.
A decisão afastou a aplicação de princípios como a vedação ao retrocesso social, norma mais favorável e condição mais benéfica. O relator destacou que esses princípios não regulam a relação entre leis que se sucedem, e são aplicáveis apenas para compatibilizar normas vigentes simultaneamente ou preservar cláusulas contratuais contra alterações desfavoráveis promovidas por um dos contratantes, mas não pelo legislador.
O ministro Maurício Godinho Delgado, por outro lado, abriu divergência e defendeu a aplicação do princípio do direito adquirido. “Voto na tese de que o trabalhador que esteja submetido a um contrato de emprego já consolidado no período anterior a 11/11/2017, data de vigência da Lei da Reforma Trabalhista, preserva o seu direito adquirido àquela parcela que foi suprimida pela lei”, disse.
Suellen Escariz – Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra, servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – Instagram