A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou que a Âmbar Energia, do Grupo J&F, assinou na quinta-feira, 10, o termo de transferência de controle da distribuidora Amazonas Energia, que é administrada atualmente pela Oliveira Energia.
A operação foi viabilizada pela Medida Provisória 1.232/2024, que flexibilizou regras para possibilitar o acordo, e expirou na quinta-feira. Havia um impasse quanto à confirmação da transferência, já que a empresa pleiteava a aprovação do acordo por toda a diretoria colegiada da agência reguladora, e não apenas pelo diretor-geral, Sandoval Feitosa, que o fez sob judice.
Feitosa chegou a dizer que sua decisão monocrática poderia perder a validade se a decisão judicial que obrigou a operação fosse derrubada, anulando os efeitos da assinatura do contrato com a Âmbar.
A solução desejada pela empresa do ficou mais improvável após o diretor Ricardo Tili pedir férias e o diretor Fernando Mosna declarar a própria suspeição para avaliar o tema, de acordo com interlocutores.
Atualmente, apenas quatro das cinco cadeiras da diretoria da Aneel estão preenchidas.
A Justiça Federal do Amazonas obrigou a Aneel a realizar a transferência da Amazonas Energia para os irmãos Batista. A decisão levou o diretor-geral da agência, Sandoval Feitosa, a autorizar o negócio individualmente, sem aval dos outros diretores. A Âmbar, no entanto, queria ter o respaldo técnico e administrativo do órgão regulador, e não ficar “pendurada” apenas na decisão judicial, que pode ser revertida e criar um impasse jurídico na operação.
A consultoria jurídica da Aneel publicou um parecer afirmando que os benefícios da MP só seriam válidos se o contrato fosse assinado durante a vigência da norma.
A área técnica e diretores da agência reguladora se opuseram ao plano da empresa, exigindo aportes maiores do grupo para limitar o custo ao consumidor a R$ 8 bilhões. Ao longo do processo, os consultores da Aneel apontaram que a empresa do grupo J&F não demonstrou capacidade técnica no segmento de distribuição, que é o negócio da Amazonas Energia. Além disso, a área técnica concluiu que a proposta da companhia não era suficiente para resolver os problemas da distribuidora amazonense e colocar as contas em dia, além de representar um custo alto para o consumidor.
A empresa não concordou com as condições aprovadas pela área técnica e pelos diretores da Aneel. “A excelência na prestação de serviços para o consumidor de energia é uma premissa fundamental da Âmbar Energia para assumir a Amazonas Energia”, disse a companhia dos irmãos Batista na quarta-feira, 9. “Essas condições só podem ser atingidas caso a Aneel garanta a segurança jurídica e econômica necessária, por meio da aprovação do plano de transferência de controle apresentado pela Âmbar.”
O Grupo J&F ainda ficou com um benefício conquistado pela MP, pois comprou usinas termoelétricas da Eletrobras que fornecem energia para a distribuidora do Amazonas e que tiveram o prejuízo coberto pela medida. Esse foi o negócio prioritário da dupla, antes mesmo da proposta de assumirem a empresa amazonense. O benefício, no entanto, pode ser não totalmente usufruído. A transformação dos contratos também foi autorizada pelo diretor-geral da Aneel, mas poderá ser anulada porque ficou ancorada na mesma decisão da Justiça do Amazonas. Além disso, a compra da Amazonas Energia entrou na negociação entre a Eletrobras e a Âmbar e não foi efetivada.
Os contratos das usinas compradas pelos irmãos Batista vão encarecer a conta de luz de famílias de baixa renda no País, de acordo um estudo da TR Soluções, empresa de tecnologia especializada em tarifas de energia. Além disso, vão aumentar as tarifas para todos os consumidores das regiões Norte e Nordeste e impactar a indústria, que tende a repassá-lo para o preço dos produtos. Os custos calculados por operadores do mercado de energia variam de R$ 2 bilhões a R$ 2,7 bilhões por ano.
O governo Lula beneficiou os irmãos Batista com uma medida provisória 72 horas após a Âmbar comprar usinas termoelétricas que pertenciam à Eletrobras e que vendem energia para a Amazonas. A distribuidora não paga pelo que compra e acumula dívidas. A MP do governo bancou o prejuízo com a conta de luz. Além disso, repassou o custo da distribuição para todos os consumidores de energia durante 15 anos. Com a benesse, a Âmbar não só comprou as usinas como também fez uma proposta para assumir a Amazonas.
A Amazonas Energia enfrenta uma série de problemas no Estado, como furto de energia (o chamado “gato”), custos operacionais que não se pagam e dinheiro irrecuperável de consumidores inadimplentes. Esses “buracos” seriam bancados por todos os consumidores, que deveriam pagar mais na conta de luz para subsidiar a operação. Isso ainda pode acontecer com uma intervenção do governo federal, mas as condições ainda devem ser estabelecidas pela Aneel.
Além dos custos futuros, há uma dívida que supera R$ 11 bilhões do passado. A Aneel exigia que a empresa pagasse as dívidas e se comprometesse com metas maiores para resolver os problemas mais rapidamente e diminuir o custo ao longo do tempo, o que não ocorreu. A Âmbar se comprometeu a pagar um valor suficiente para diminuir a dívida em níveis aceitáveis, o que demandaria um aporte de R$ 8,5 bilhões ainda em 2024.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, pressionou a Aneel para realizar a transferência. O chefe da pasta acusou a agência de estar boicotando o governo Lula – os quatro diretores da Aneel foram indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Silveira foi um defensor público da venda da Amazonas Energia, alegando que, se o controle da empresa não fosse repassado, o governo teria que intervir na operação com dinheiro do orçamento público, bancado pelo contribuinte. Conforme a reportagem também revelou, executivos da Âmbar foram recebidos 17 vezes no ministério antes da edição da medida.
A Âmbar Energia disse em nota que o plano de transferência da Amazonas Energia “garante as condições” para a prestação de um serviço de “qualidade” no fornecimento de energia elétrica aos consumidores amazonenses. A empresa ponderou, por outro lado, que só assumirá a distribuidora do Amazonas caso a decisão judicial que determinou a assinatura do termo “seja estabilizada” até 31 de dezembro.
“O contrato assinado dá a segurança jurídica necessária ao negócio, uma vez que a Âmbar só assumirá a distribuidora caso a decisão judicial que determinou a assinatura do termo seja estabilizada até 31 de dezembro”, menciona a nota. “A Âmbar espera que esse desfecho ocorra o quanto antes, permitindo a conclusão da operação e o foco absoluto na prestação de serviços”, disse.