Cesar Fueta
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Direito empresarial

A exclusão de sócio por falta grave e a retirada indevida de valores da sociedade

Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça jogou luzes sobre este tema que é muito comum no dia a dia dos empresários

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20 de agosto de 2024
Vinicius Palermo
A exclusão de sócio por falta grave e a retirada indevida de valores da sociedade
O exercício da atividade empresarial gera diversos direitos e deveres e muitas vezes o patrimônio da empresa é confundido com o patrimônio particular de seus sócios

Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça jogou luzes sobre um tema comum no dia a dia dos empresários, mas cuja gravidade nem sempre é percebida: o uso indevido do dinheiro da empresa pelos sócios. O exercício da atividade empresarial gera diversos direitos e deveres e muitas vezes o patrimônio da empresa é confundido com o patrimônio particular de seus sócios, o que gera a retirada indevida de valores do caixa da sociedade.

Tal fato se destaca como uma conduta extremamente grave, sendo passível de configurar falta grave e justificar a exclusão do sócio. Neste artigo trataremos desta importante questão empresarial e de suas consequências.

Não resta dúvida de que a retirada indevida de valores do caixa de uma empresa por um dos sócios, sem a devida autorização ou em contrariedade ao que foi decidido em assembleia, constitui uma violação direta ao contrato social e aos deveres que orientam a atuação dos sócios. A jurisprudência confirma este entendimento.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em diversas decisões, tem reconhecido que essa prática é uma falta grave, passível de exclusão do sócio. Um exemplo claro dessa jurisprudência é o caso julgado recentemente em que um dos sócios de uma fábrica de móveis antecipou a distribuição de lucros sem a autorização dos demais sócios. O sócio alegou que a discussão trazida no processo diria respeito a uma simples desavença sobre a gestão da sociedade. Essa conduta levou à sua exclusão judicial do quadro societário em processo judicial ajuizado pela empresa.

O STJ entendeu que este procedimento configura falta grave ao violar o contrato social, colocando em risco a continuidade da empresa, pois houve apropriação de valores que deveriam estar disponíveis para a operação da sociedade. Em relação à gravidade das condutas, o STJ destacou que houve o levantamento de valores de forma contrária ao previsto no contrato social. Além de existir regra específica sobre a necessidade de deliberação para a distribuição de lucros, a decisão destacou que o Código Civil determina que as deliberações tomadas em conformidade com a lei e o contrato vinculam todos os sócios, ainda que ausentes ou dissidentes.

Apesar da jurisprudência sobre o tema, a falta grave ainda é uma questão recorrente e que gera algumas discussões, principalmente porque não há uma definição exata na legislação. Trata-se de qualquer ato que viole os deveres dos sócios e ameace a integridade da sociedade.

Conforme estabelecido pelo Código Civil de 2002, a exclusão de um sócio pode ser justificada pela prática de atos que comprometam a continuidade da empresa ou que sejam contrários ao contrato social. A retirada indevida de valores, nesse sentido, se enquadra perfeitamente na definição de falta grave, pois envolve a apropriação indevida de recursos que pertencem à sociedade e não a um sócio individualmente.

A jurisprudência dos tribunais, particularmente a do STJ, tem sido consistente ao aplicar o conceito de falta grave nesses casos, reforçando a necessidade de proteger o patrimônio social e a continuidade da empresa. A exclusão de sócios, ainda que uma medida drástica, é vista como necessária para preservar os interesses da sociedade e dos demais sócios, que não podem ser prejudicados por atos unilaterais e ilegítimos de um sócio.

É importante destacar que, conforme mencionado, apesar das decisões recorrentes dos tribunais, o conceito de ato grave não está explicitamente definido na legislação. O Código Civil de 2002, embora estabeleça as bases para a exclusão de sócios, não detalha o que constitui um ato grave, deixando essa interpretação para os juízes. Essa lacuna legislativa poderia ser preenchida por uma reforma que trouxesse maior clareza ao texto legal, reduzindo a necessidade de interpretação pelos tribunais e, consequentemente, aumentando a segurança jurídica para os empreendedores.

Convém destacar, ainda, que há críticas sobre a aplicação excessiva do “princípio da continuidade da empresa” nas decisões judiciais. Este princípio, que busca preservar a atividade econômica e evitar a dissolução das sociedades, é frequentemente invocado pelos tribunais, mesmo quando a decisão poderia ser fundamentada direta e simplesmente na violação do contrato social ou nos deveres dos sócios. Alguns juristas argumentam que o uso excessivo de princípios, sem uma pertinência clara ao caso em análise, poderia tornar as decisões judiciais mais complexas e menos acessíveis de forma desnecessária.

Outro ponto que merece destaque é o tempo extremamente lento de duração de um processo judicial quando o objetivo é a exclusão de um sócio. Embora seja possível a exclusão extrajudicial de um sócio, esta previsão deve estar contida no contrato social.

Caso inexista, será necessário o ajuizamento de demanda judicial para garantir o contraditório e a ampla defesa, o que pode ser excessivamente moroso para a realidade do ambiente empresarial, que exige celeridade e eficiência. A lentidão processual pode, na verdade, ser mais uma causa – às vezes a principal causa – que ameaça a continuidade da empresa, justamente o que se pretende evitar ao excluir um sócio que cometeu uma falta grave.

Podemos concluir que a retirada indevida de valores do caixa da empresa é um ato que configura falta grave e pode justificar a exclusão do sócio responsável. A jurisprudência tem sido firme nesse entendimento, reforçando a proteção ao patrimônio social e à continuidade do empreendimento. No entanto, para que essa proteção seja efetiva, algumas mudanças ainda são necessárias: que o processo judicial seja mais ágil e que a legislação ofereça maior clareza sobre o conceito de falta grave.